Por Rosângela Bittar | Valor Econômico
"Uma eleição parlamentar no Brasil custa muitas vezes mais do que uma eleição em Portugal e Espanha"
BRASÍLIA - O sistema eleitoral que prevalece hoje, no Brasil, é produtor de impasses que vão desde obstáculos ao surgimento de candidaturas novas à impossibilidade de obter financiamento de campanha por vias limpas. Uma forma viável de resolver o problema, com a urgência necessária, é, segundo recomenda o cientista político e sociólogo Antonio Lavareda, aprovar o sistema de lista fechada, para 2018, com voto distrital a ser implantado só em 2022. Essa gradação daria ao Brasil logo, logo um sistema moderno, de moralidade comprovada, que superaria o gargalo da prática eleitoral atual explicitada na Operação Lava-Jato.
A lista fechada, segundo contas feitas por Lavareda, torna as eleições 70% mais baratas. "A gente tem o sistema partidário eleitoral mais caro do mundo que era financiado de forma irregular como a Lava-Jato revelou ao país. E agora a gente está fechando as torneiras mas continua com a mesma sede", afirmou. Seguem trechos de sua entrevista sobre as vantagens da lista fechada.
Valor: João Doria, Fernando Haddad, Henrique Meirelles, não são mais nomes novos na política, já fizeram campanhas pelo condenado sistema em vigor. A um ano e meio das eleições gerais não estão demorando a aparecer os nomes novos dessa política que condena os antigos às penas de cadeia e multa?
Antonio Lavareda: É difícil, mesmo nomes como Joaquim Barbosa, Sergio Moro, que nunca se candidataram, a rigor logo mais não serão propriamente novos.
Valor: No mínimo terão que entrar em um partido. Há tempo?
Lavareda: A nossa Constituição define que o partido tem monopólio da representação. Então, qualquer novidade dessas tem que transitar no partido primeiro. Precisa de um partido, e de expressão, que venha a ter tempo na televisão.
Valor: Há um múltiplo impasse, para surgimento de candidaturas, financiamento de campanhas e fortalecimento partidário?
Lavareda: A questão é que a nossa regra eleitoral engessa o quadro político partidário de uma forma impressionante. Outro dia, o MBL [Movimento Brasil Livre] estava incluindo na sua manifestação uma repulsa ao voto em lista partidária. Se houvesse lista partidária, o MBL poderia se organizar rapidamente do Oiapoque ao Chui, poderia virar um partido. A lista poderia também resolver um outro problema, o da participação das mulheres na política. Nem as deputadas pararam para imaginar que um dos motivos pelos quais o Brasil fica numa vergonhosa posição, 145ª no ranking de participação das mulheres na política e no Parlamento, deve-se à lista aberta que o sistema tem hoje. As mulheres não conseguem penetrar no sistema, sobretudo pelos custos das campanhas. Na lista fechada haveria um choque de participação feminina no Parlamento de imediato. O Brasil tem hoje menos mulheres no Parlamento que os países muçulmanos.
Valor: O voto em lista é, a rigor, o voto no partido, e nenhum merece confiança. Não é o momento de radicalizar na escolha de pessoas e não de partidos?
Lavareda: Alguma confiança vai aparecer, alguém terá votos. As pessoas vão votar em quaisquer partidos que surjam, e os partidos vão ganhando densidade. A hora é agora. É a hora de fazer uma mudança, justamente porque estão todos fracos, e a consequência será duradoura. O problema é que as pessoas não fazem uma análise da etiologia dos fatos envolvidos na produção dessa crise moral que a gente tem aí. O voto de lista aberta de hoje é grande responsável por isso, não é o único, mas é um dos maiores.
Valor: Qual a responsabilidade da lista aberta na inviabilidade das eleições?
Lavareda: O voto em lista aberta produziu o Congresso mais fragmentado do mundo e as eleições mais caras do mundo. Você solta em São Paulo 1.370 pessoas, como soltou em 2014, para concorrerem a deputado federal. Imagine o custo dessa eleição. Essa regra faz eleições caríssimas.
Valor: O financiamento das eleições de 2018, então, é o problema a ser resolvido primeiro?
Lavareda: Nós temos dois problemas no Brasil hoje. Os maiores, do ponto de vista de representação política. A hiperfragmentação e o custo da eleição. O fim das coligações pode reduzir um pouco o problema da fragmentação. Mas nós temos as eleições parlamentares mais caras do mundo. Uma eleição parlamentar no Brasil custa muitas vezes mais do que uma eleição em Portugal e Espanha.
Valor: A lista fechada reduz o custo em quanto?
Lavareda: A redução mínima estimada seria de 70% do custo das campanhas. Será que a permanência de uma eleição cara não é um incentivo, ou uma justificativa, para os candidatos continuarem se comportando segundo a velha gramática, aliás, a gramática que está ainda em vigor?
Valor: O que diz da crítica de que é a cúpula do partido que escolhe os integrantes da lista e, portanto, o voto se submete à vontade dos dirigentes partidários?
Lavareda: O eleitor vai conhecer o deputado da lista. Se tem um deputado querido dele e está ali dentro da lista, ele vota. A campanha é baseada em grande medida nos nomes que têm maior atratividade para o eleitorado. Como é no resto do mundo. Nessa hora o país tem obrigação de baratear o custo das campanhas. É uma coisa imperativa.
Valor: Como o país conviveu bem com a lista aberta até hoje?
Lavareda: A Lava-Jato está explicando como o país conviveu com isso. A gente tem o sistema partidário eleitoral mais caro do mundo que era financiado de forma irregular como a Lava-Jato revelou ao país. E agora a gente está fechando as torneiras mas continua com a mesma sede.
Valor: E o modelo de financiamento público mas com lista aberta?
Lavareda: Pressupondo que haveria o número de candidatos a deputado federal e deputado estadual de 2014. Foram 6.178 candidatos a deputado federal. Os estaduais, juntando os distritais, somaram 15.861. O fundo eleitoral tem que ser dividido em 5 categorias de eleições: Presidente, Governador, Senador, Deputado Federal, Deputado Estadual, com isonomia. O fundo pode ficar por volta de R$ 2,5 bilhões. Nesses meus cálculos, para cada candidato a deputado federal, haverá R$ 80.932,00. E a estadual o candidato receberá R$ 31.524, 00. Com isso não se faz campanha nem para síndico do prédio, se o prédio for grande. Sabe quantos candidatos houve em Brasília para as 24 vagas da Câmara Distrital? Foram 979 candidatos. É uma loucura um sistema que produz um negócio desses.
Valor: Todas as campanhas foram financiadas pelos métodos agora condenados ou havia alternativa?
Lavareda: Essas campanhas eram financiadas pelas vias escusas que a Lava-Jato revelou. A gente vai deixar o mesmo sistema, caro como o diabo, para as pessoas fazerem o que? Irem buscar caixa dois? O dinheiro vai aparecer de algum lugar.
Valor: A lista aberta leva o financiamento da eleição à cadeia. E a fragmentação leva onde?
Lavareda: Fragmentação em espaço parlamentar leva a duas coisas: primeiro dificulta a governabilidade. Tem que sair dando diretoria disso, diretoria daquilo. Para que esses partidos querem diretoria? Para divulgar o programa partidário é que não é. Além de prejudicar a governabilidade, é um incentivo fantástico à corrupção.
Valor: Dá tempo de mudar?
Lavareda: Agora é uma janela de oportunidades. É o momento em que a classe política está fragilizada. E só num momento como esse é que dá para mudar o sistema, senão não mudam. Se elegeram pelo sistema atual, por que se disporiam a mudar o sistema se não estivessem fragilizados e não houvesse o problema de financiamento?
Valor: E o alerta de que os corruptos vão se abrigar nas listas para se protegerem?
Lavareda: Vamos fazer aqui um paralelo: Se o Eduardo Cunha puder, legalmente, estar numa lista concorrendo à eleição no Rio de Janeiro, o PMDB do Rio coloca o Eduardo Cunha na lista? Ou não coloca, ou o PMDB será ceifado no Rio de vez e para sempre. A lista não oculta o candidato. E a imprensa está atuante. Hoje, um candidato, o que faz? Ficha mais ou menos suja, o partido dele entra numa coligação com quinhentos outros, o eleitor vai lá, vota num e termina elegendo outro sem saber.
Valor: O que é razoável, realista e possível fazer neste momento?
Lavareda: Aproveitar agora e implantar o modelo misto alemão. Voto proporcional de lista e voto majoritário no distrito. Fazer isso em duas etapas. Para construir um sistema distrital com recorte geográfico dos distritos daqui até setembro não dá. Mas já deixa na lei, faz uma eleição agora (2018) com a lista, e faz uma previsão, diz que em 2022, próxima eleição, já haverá o desenho dos distritos. Ficaremos com o sistema misto alemão. Partidos fortes e eleições baratas. Uma das campanhas eleitorais mais baratas do mundo é a da Alemanha.
Valor: As propostas do Fernando Henrique, o projeto do PSDB que tramita no Senado, nada disso resolve?
Lavareda: Simplesmente não barateiam a campanha, e isso é urgente. Com lista aberta, como propõe o PSDB, você está convidando os candidatos a encontrarem outro financiamento. A não ser que as pessoas que propõem essa mudança acreditem nas características virtuosas dos candidatos. A única mudança que dá para fazer com impacto no custo das campanhas é essa, a lista ordenada. Obviamente, o país que vai fazer uma mudança, é melhor que a faça por inteiro agora, o sistema alemão completo, ainda que parte seja implantada depois.
Valor: Qual o efeito dessa proposta no fortalecimento dos partidos?
Lavareda: O voto distrital aproxima o representante do representado, e o voto partidário com lista dá um choque de partidarização na sociedade. Termina produzindo coerência e fidelidade partidária. Não temos partido, mas a Constituição, no artigo 14, explicita o monopólio da representação. Partido não existe na sociedade mas existe na Constituição. E quando o deputado ultrapassa a porta do Congresso o partido volta a existir, o partido é forte dentro da Camara e Senado, mas continua sem existir dentro da sociedade. Porque a regra é individualizadora. O maior adversário do candidato a deputado federal pelo PMDB na Paraíba é o colega dele candidato a deputado federal pelo PMDB na Paraíba. É um sistema maluco.
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