- Valor Econômico
Preços de ativos destoam de cenário para o médio prazo
Amanhã, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) começa a julgar a acusação de abuso de poder econômico da chapa Dilma-Temer vitoriosa nas eleições de 2014. Quatro ações apresentadas pelo PSDB ao tribunal em dezembro daquele ano, pedindo a impugnação da chapa, listam, entre as irregularidades supostamente cometidas, uso de dinheiro desviado da Petrobras para abastecer contas da campanha.
Vazamentos de delações de ex-executivos da Odebrecht possivelmente vão elevar a temperatura das próximas sessões do TSE e o julgamento não vai se esgotar em uma sessão ou em uma semana. Um período de desgaste se avizinha, mas uma corrente de fé vibra no sistema financeiro a favor do governo e não deixa prosperar qualquer hipótese de Michel Temer deixar o Palácio do Planalto. Esse julgamento deve produzir mais atraso nas reformas.
Na origem, em 2014, a chapa era uma - Dilma-Temer -, mas com Dilma Rousseff impedida de prosseguir na Presidência da República por crime de responsabilidade, daquela chapa brotaram dois governos. Sobrevivemos ao primeiro e oramos no segundo, portador de objetivos consistentes, ambiciosos, mas com déficit de aprovação curiosamente semelhante ao da antecessora e cabeça da chapa presidencial de 2014.
Com menos de um ano de governo desde a posse por interinidade, o presidente Temer obteve índice de aprovação idêntico ao da ex-presidente no início do segundo ano do seu segundo mandato: apenas 10% da população considera ótimo ou bom o governo. Realizada pelo Ibope a pedido da Confederação Nacional da Indústria (CNI), a pesquisa sobre o governo Temer teve o resultado divulgado na sexta-feira e para 55% dos brasileiros seu governo é ruim ou péssimo. Representativos 79% dos pesquisados não confiam no presidente. Na enquete sobre o governo Dilma - divulgada em março de 2016 -, para 50% ele era ruim ou péssimo. E oito em cada dez brasileiros não comprariam um carro usado da ex-presidente.
Como estatística não é obra do acaso, as três notícias de Dilma mais lembradas na pesquisa de um ano atrás guardam semelhança com as três notícias de Temer mais lembradas pela população. E, até por esse motivo, provocam em parte dos observadores a sensação de que pouco saiu do lugar no último ano e justificam a torcida pela aprovação célere das reformas fiscais propostas pela equipe econômica de Temer.
Há um ano, as três notícias mais lembradas do governo Dilma foram "Presidente convida Lula para ministério", "Manifestação a favor do impeachment" e "Lava-Jato investiga corrupção na Petrobras".
As três notícias de Temer mais lembradas na mais recente edição da pesquisa Ibope: "Discussões sobre a reforma da Previdência", "Lava-Jato investiga corrupção na Petrobras" e "Corrupção no governo".
A percepção de que o país patina em mais dos mesmos problemas e enfrenta os resistentes políticos reticentes fragiliza as constantes manifestações de otimismo do mercado financeiro com o governo Temer. Há fatos coincidentes nas duas administrações, um cenário político delicado e as investigações da Lava-Jato reverberando sobre o setor público e a iniciativa privada.
A coluna encontrou duas respostas para as demonstrações de confiança que os agentes financeiros depositam no governo. Ambas implicam aumento de risco.
Resposta 1: há, no mercado financeiro, uma confiança ideológica no governo. Se verdadeira, essa opção pode vir a ter agravantes com a proximidade do calendário eleitoral de 2018 e o desconhecimento sobre os candidatos que disputarão a Presidência. Apostas podem ser feitas a priori no candidato errado.
Resposta 2: tanta confiança creditada ao atual governo pode ser consequência do fim de uma intensa trajetória de queda dos juros prefixados e do dólar e parte de um ciclo de valorização da bolsa. No ano passado, juros, dólar e bolsa tiveram variações relevantes. A coluna optou pelo corte de dados em maio, para registrar a evolução dos ativos durante o governo Temer.
Portanto, de maio do ano passado até o primeiro trimestre deste ano, o real se fortaleceu mais de 33% na comparação com o dólar, o Ibovespa valorizou mais de 22%, o juro negociado para 2019 caiu mais de 3 pontos percentuais, o juro para 2021, cerca de 2,5 pontos, a taxa Selic recuou 2 pontos e a inflação calculada em 12 meses despencou à metade, passando de 9,32% para 4,6% - taxa estimada por algumas casas para o IPCA de março, que será divulgado nesta semana.
Se o apoio ideológico do mercado ao atual governo tem capacidade de produzir ruídos sobre os ativos financeiros, acreditar que os preços desses ativos são fiéis representantes do valor do Brasil também pode ser um equívoco ou um exagero.
A economia brasileira passou por um processo de desinflação violenta - em parte resultado da profunda recessão em que o país afundou e, em parte, da queda dos preços dos alimentos em reação às commodities internacionais. Essa não é, porém, a perspectiva para a realidade brasileira de médio prazo. Quando o Brasil voltar a crescer ao ritmo de 2% ao ano, os juros de mercado vão se alinhar ao juro de equilíbrio, estrutural ou neutro. Não importa a denominação, mas seu nível estimado em cerca de 10% nominal e 5% real -para segurar a inflação.
Esse cenário de médio prazo é considerado plausível, ainda que atropelado por investidores estrangeiros que provavelmente vão querer entrar ou voltar ao Brasil, assim que aprovada a reforma da Previdência. Os estrangeiros vão querer aproveitar os juros brasileiros - elevados quando comparados aos internacionais - e ainda mais atraentes com a queda da taxa de câmbio. Esse é o caso em que a ponta longa da curva de juro pode ganhar consistência abaixo de 9%. Até quando, é uma aposta.
O mercado brasileiro já viveu outros momentos de euforia, com uma situação fiscal melhor que a atual e com o país detentor de 'grau de investimento' de três agências internacionais de classificação de risco de crédito. O Brasil perdeu as três garantias de "bom pagador" de suas dívidas. E não há qualquer sinal de restituição em breve.
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