O governo começou a implementar uma bem vinda e urgente agenda de revisão do sistema dual de crédito com o anúncio, na sexta-feira, da criação de uma nova taxa para remunerar os empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
De uma só vez, a Taxa de Longo Prazo (TLP), que deve ser instituída nos próximos dias por medida provisória (MP), promete resolver as duas principais distorções provocadas pelo sistema hoje vigente, com a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP). Uma delas é tapar o ralo financeiro da política parafiscal, em que subsídios são concedidos a empresas e setores econômicos sem a devida transparência orçamentária. O outro é extinguir a proteção que esses mesmos segmentos econômicos gozam nos ciclos de aperto monetário.
A nova TLP será formada pela variação do índice oficial do regime de metas de inflação, o IPCA, e uma taxa de juros mensal prefixada com base no rendimento real oferecido pelo mais importante instrumento de captação de recursos de longo prazo do governo, as Notas do Tesouro Nacional - Série B (NTN-Bs).
O novo instrumento acaba com o desvão parafiscal porque, a partir de agora, recursos públicos eventualmente aportados no BNDES serão remunerados por uma taxa equivalente ao custo de captação do Tesouro. No sistema anterior, o governo concedia uma subvenção oculta. As empresas que tomavam empréstimos do BNDES pagavam a TJLP, hoje em 7% ao ano, enquanto que o custo de captação do Tesouro fica perto de 12,25% ao ano, a taxa Selic vigente. Essa diferença, que nesse caso é de 5,25 pontos percentuais, é o que os especialistas chamam de subsídio implícito. Ele representa um custo anual aos contribuintes de cerca de R$ 23 bilhões, considerado o crédito de R$ 433 bilhões do Tesouro ao BNDES.
Não há nada errado em o governo conceder subsídios a empresas e setores econômicos. Em geral, eles são necessários quando estão presentes falhas de mercado, como o racionamento de crédito a pequenas empresas, ou quando os retornos sociais de determinados empreendimentos superam os retornos econômicos, caso do saneamento básico. Esses custos, porém, devem ficar explícitos no Orçamento para serem submetidos ao crivo da sociedade e para serem reavaliados periodicamente pelos nossos representantes no Congresso Nacional.
A nova TLP também promete colocar o crédito direcionado do BNDES, que hoje representa 8,5% do Produto Interno Bruto (PIB), sob a influência da política monetária. Hoje, quando o Banco Central sobe a taxa de juros, os empréstimos do BNDES não são afetados, porque a fixação da TJLP é feita de uma forma bastante discricionária (apesar da fórmula que diz que ela deve seguir o risco Brasil e a meta de inflação) e independente do ciclo monetário. Já a NTN-B costuma oscilar na mesma direção dos apertos e alívios nos juros.
No sistema anterior, todo o resto da economia saia prejudicada, pois o Banco Central era obrigado a subir mais os juros para compensar essa perda de eficácia da política monetária provocada pelo sistema de empréstimos com a TJLP. Como a nova TLP reduz custos fiscais e amplia a potência da política monetária, deverá ao fim reduzir os juros estruturais de toda a economia.
O novo sistema anunciado pelo governo tem outros aspectos positivos, entre eles o respeito aos contratos vigentes, que seguem vinculados à TJLP. A convergência da TJLP para a TLP pura será gradual, ao longo de cinco anos, o que permite dar sustentação os investimentos produtivos numa fase de transição até o desenvolvimento de um mercado privado de financiamento de longo prazo.
No anúncio de uma medida com tantos méritos, o que destoou foi a decisão de reduzir a TJLP, de 7,5% ao ano para 7% ao ano. Ela deixa, na partida, a nova TLP ainda mais distante da NTN-B, onde se pretende chegar. O governo ofereceu uma explicação técnica pouco convincente: disse que apenas seguiu a fórmula de cálculo da TJLP. Na verdade, a TJLP não costuma subir e baixar de forma mecânica. No ano passado, ficou estacionada em 7,5% ao ano, apesar do surto inflacionário e da disparada do risco Brasil.
Mais do que técnica, a redução da TJLP foi uma decisão de economia política. Pode fazer sentido dar ao empresariado uma taxa barata para estimular investimentos em uma recessão. Mas significa empurrar as dores do ajuste do sistema de crédito direcionado para o governo a ser eleito em 2018, que pode se mostrar menos comprometido com essa agenda.
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