segunda-feira, 19 de junho de 2017

Além da economia | Cida Damasco

- O Estado de S.Paulo

Crise põe em risco planos e recursos para enfrentar desafios na área social

São tantas e tão grandes as dúvidas e as preocupações em relação aos indicadores macroeconômicos de curto prazo, que até nos damos ao luxo de deixar um pouco de lado o acompanhamento da área social. Aqui e ali aparecem diagnósticos da situação da saúde, educação e segurança, por exemplo, mas costumam ser encarados com um quase fatalismo pelos observadores: “é assim mesmo, esse País não avança”. Esse quase fatalismo só é substituído pelo inconformismo quando “as coisas” saem do controle, como ocorreu com as rebeliões nos presídios e agora com o drama das cracolândias em São Paulo.

Claro que não há um muro a separar esses dois quadros. Ao contrário: eles estão cada vez mais juntos e misturados. Quanto mais persistente a crise econômica, quanto mais largo o ralo da corrupção por onde escorre o dinheiro público, quanto mais obstinado o governo para garantir a sobrevivência a qualquer custo, menor a possibilidade de enfrentamento dos desafios sociais. É esse o perigo que ronda o Brasil hoje. Mesmo que em alguns casos a crise ainda não tenha piorado drasticamente esse quadro, pelo menos impediu sua melhora. Mais ainda, ameaça inviabilizar o alcance das metas determinadas para os próximos anos.

Três amostras dessa realidade. 1) O saneamento básico mantém-se como um dos exemplos mais gritantes de infraestrutura capenga e seus efeitos nas desigualdades sociais e na saúde da população. A meta oficial era universalizar os serviços até 2033, mas, segundo levantamento feito pela GO Associados, ela vai atrasar em pelo menos 20 anos, simplesmente porque os investimentos mal atingem a metade das necessidades, calculadas em R$ 20 bilhões por ano. O índice de coleta de esgotos no Brasil está em 50% e o de tratamento em 42,7%. 

2) A violência põe os números do Brasil em pé de igualdade com países atingidos por terrorismo e guerras. De acordo com estudo do Ipea, o Brasil registrou mais de 59 mil homicídios em 2015. Um aumento de 10% desde 2005, na taxa que calcula o número de pessoas assassinadas a cada 100 mil habitantes. Jovens, negros e de baixa escolaridade são a face dessas estatísticas. 

3) A melhora da educação, objetivo alardeado pelos governantes, é bem mais lenta do que o País precisa. Até mesmo a reforma do ensino médio, que o governo implantou por meio de Medida Provisória com o argumento da urgência, enfrenta dificuldades para sair do papel no prazo desejado. Faltam estrutura e dinheiro para adaptar as escolas ao perfil do ensino traçado pela reforma, que prevê a flexibilização dos currículos, a maior oferta de cursos profissionalizantes e em tempo integral. A MP é de setembro, e na última semana foi autorizada a segunda tranche de novas vagas em tempo integral – agora são 830 mil, em comparação com as 308 mil que existiam até então.

O raciocínio mais ligeiro é que basta preservar os recursos destinados a essas áreas para tocar em frente os programas já formatados. Simplismo. Mesmo que o dinheiro escape a contingenciamentos e outras medidas para permitir o fechamento das contas, não é garantido que ele seja bem utilizado. Já é reconhecido que, no Brasil, a questão não é só de limitação de verbas, mas também de falta de controle na sua aplicação – e estamos falando de ineficiência, além, é claro, de corrupção. O problema vem de longe mas, se em tempos normais esses controles não foram providenciados, que dirá agora, nesse clima de “salve-se quem puder”. Além disso, a briga dos parlamentares para liberar emendas e dos variados lobbies para arrancar vantagens de um governo cada vez mais frágil nem sempre é em nome de priorizar as áreas mais carentes.

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