- Folha de S. Paulo
Não mais que duas entidades, nenhuma delas eleita pelo voto popular, dispõem hoje de conhecimento, liderança e respaldo bastantes para conduzir a agenda do país.
Uma é o consórcio de policiais, procuradores e juízes reunidos em torno da Lava Jato. A outra são os economistas e tecnocratas, do Executivo, da academia e do mercado, empenhados na formulação e defesa das reformas.
A primeira conta com amplo apoio da população e a licença para matar —reputações— ao arrepio das garantias jurídicas dos suspeitos.
O poder da segunda emana da recessão devastadora, ainda por ser vencida. A ninguém agrada o programa de ajustes (nem mesmo ao empresariado que se abriga no BNDES), mas no fundo se sabe que sem a galinha dos ovos de ouro do mercado não há empregos nem receita tributária.
As duas forças se acham imbuídas de missões salvacionistas. A Lava Jato pretende libertar o país dos vícios de seu sistema político-eleitoral, fundado na promiscuidade de interesses de mandatários e financiadores de campanhas.
Já a assim chamada equipe econômica, que transcende a Fazenda e o Banco Central, busca purgar o poder público dos males da irracionalidade orçamentária, do corporativismo e da demagogia.
Os caminhos escolhidos, ou apenas impostos pelas circunstâncias, para atingir tais fins são, sem dúvida, radicais.
De um lado, estabeleceu-se um moto-contínuo de prisões preventivas, delações premiadas e inquéritos que manterá a elite partidária e parcela substantiva da empresarial sob investigação por anos.
De outro, inseriu-se na Constituição dita cidadã um dispositivo draconiano que freia a expansão do gasto federal por até duas décadas; na prática, almeja-se uma redução do peso do Estado no PIB sem precedentes no mundo.
Existem razões respeitáveis a amparar estas e aquelas medidas e condutas. Difícil imaginar, porém, que serão levadas a ferro e fogo por tanto tempo. Alguma distensão, mais ou menos virtuosa, tende a ser inevitável.
De todo modo, a derrocada econômica e política (nessa ordem) força uma revisão dos arranjos que sustentaram a redemocratização —assim como a recessão brutal do início dos anos 1980 apressou o fim do Estado tecnocrático e autoritário dos militares.
A leitura otimista é que o país tem conseguido conduzir esse processo doloroso de forma pragmática e, mais importante, sem ruptura institucional.
Não há nada que se assemelhe ao caos da Argentina em 2001 ou, em exemplo mais atual e extremo, ao colapso da Venezuela. Parece haver razoável entendimento, impelido pela crise, em torno das metas de sanear as práticas e as contas do governo.
Falta, deve-se lembrar, submeter tudo isso a voto.
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