quinta-feira, 22 de junho de 2017

STF indica que manterá regra sobre delação

Só dois ministros votaram, mas tendência é não rever acordo com JBS

Edson Fachin deve continuar como relator do caso, se os argumentos apresentados na sessão de ontem por ele e quatro colegas prevalecerem na retomada do julgamento, hoje, pelo Supremo

Benefícios concedidos podem ser cancelados na fase da sentença, se ficar comprovada a quebra de alguma cláusula do acordo, como mentira em depoimento

Na primeira sessão para analisar a validade da delação premiada da JBS, que provocou abertura de inquéritos contra o presidente Temer e o senador tucano Aécio Neves, ficou clara a tendência do STF de manter os termos do acordo de colaboração com os donos do grupo. Se confirmada hoje, o plenário ficará impedido de rever agora os benefícios garantidos à JBS. Só dois (Edson Fachin e Alexandre de Moraes) dos 11 ministros votaram ontem, ambos a favor da manutenção das delações como são aprovadas hoje. Nas discussões em plenário, outros três ministros sinalizaram que poderão votar da mesma forma. Um outro já se manifestara anteriormente contra a revisão do acordo do MP com a JBS, o que daria maioria a esta corrente. O caso deve permanecer com Fachin.

Delação deve ser avalizada

Após dois votos, ministros do STF sinalizam que não irão rever agora colaboração da JBS

Carolina Brígido e André de Souza, O Globo

-BRASÍLIA- O Supremo Tribunal Federal (STF) deverá manter hoje a delação premiada da JBS, impedindo o plenário da Corte de rever neste momento os benefícios concedidos aos executivos da empresa — como o direito de não serem alvo de denúncia no Judiciário. Pela lei, os benefícios podem ser cancelados na fase da sentença, se ficar comprovada a quebra de alguma cláusula do acordo, como eventual mentira dita em depoimento. Na sessão de ontem, apenas dois dos 11 ministros votaram, ambos defendendo a tese de que não pode haver mudança no acordo neste momento, mas manifestações de outros ministros sinalizam que há maioria para validar a regra que hoje é aplicada às delações de um modo geral.

O relator, Edson Fachin, e Alexandre de Moraes defenderam que o acordo não pode ser mudado agora em plenário. Durante o debate, outros três ministros demonstraram que poderão votar da mesma forma: Luiz Fux, Celso de Mello e Marco Aurélio Mello. Luís Roberto Barroso não se manifestou ontem, mas em entrevistas já disse que um acordo de delação não pode ser revisto depois de homologado pela Justiça. Uma decisão no sentido de possibilitar a revisão dos termos das delações seria uma forma de reduzir o poder da Procuradoria-Geral da República, porque os investigadores têm usado as colaborações premiadas como forma de ampliar as investigações da Lava-Jato

Também ontem, Fachin defendeu que continue com ele a relatoria do inquérito aberto contra o presidente Michel Temer e o ex-deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PA), investigados por corrupção, organização criminosa e obstrução de justiça. Moraes concordou. Os questionamentos foram feitos pelo governador de Mato Grosso do Sul, o tucano Reinaldo Azambuja, alvo das delações dos executivos da JBS.

FACHIN: HOMOLOGAÇÃO CABE AO RELATOR
Azambuja queria que o caso tivesse sido sorteado entre os integrantes do tribunal, em vez de ter sido enviado automaticamente ao gabinete de Fachin. O ministro explicou que, pela regra interna da corte, a delação foi encaminhada a ele porque já era dele a relatoria de outro processo sobre o mesmo assunto: a delação do ex-vice-presidente da Caixa Fábio Cleto, que também tratava de desvios no fundo de investimento do FGTS.

No voto, Fachin ressaltou que cabe ao relator do processo homologar sozinho o acordo de delação premiada. Na fase inicial, o relator teria a tarefa apenas de verificar se há alguma ilegalidade patente e se foram respeitados direitos fundamentais do colaborador. Os termos do acordo poderiam ser revistos apenas ao fim das investigações, quando o plenário do STF poderá analisar a eficácia da delação.

— É no julgamento de mérito que o Poder Judiciário, como autorizado pela lei, poderá definir a extensão da colabogalidade e, por consequência, analisar o benefício respectivo. A legislação permite ao Judiciário, em tal fase diferida, após a conclusão da instrução probatória, avaliar se os termos da colaboração premiada foram cumpridos, bem como se os resultados concretos foram atingidos, o que definirá, logicamente, a sua eficácia. Assim, nesta Corte, a última palavra será sempre a do colegiado — disse Fachin.

Em seguida, Moraes votou no mesmo sentido. Ele destacou que o acordo de delação premiada é uma negociação feita entre delator e Ministério Público. Assim, se tudo ocorreu dentro da legalidade, não cabe intervenção do Judiciário.

— Não poderá o Poder Judiciário substituir aquele acordo de vontade entre o Ministério Público e o colaborador, mesmo que o juiz não concorde — declarou Moraes.
Mesmo sem votar formalmente, Fux concordou nesse ponto:

— Eu entendo que o Judiciário exerce o controle da legalidade da colaboração. Mas esse controle é do relator. Depois da homologação pelo relator, que verificou os requisitos da legalidade, da regularidade da forma, só resta ao Judiciário verificar a eficácia da colaboração.

Os acordos são firmados entre os potenciais delatores e o Ministério Público, e só depois são homologados na Justiça. Para Celso de Mello, o mais antigo ministro da Corte, o próprio MP, como órgão da acusação, já faz o controle da leração dos termos acertados.

— Não podemos duvidar do Ministério Público, que tem tido grande atuação — destacou o decano.

Marco Aurélio, por sua vez, alertou que mudanças nas regras poderiam esvaziar o instituto da delação premiada. Nas discussões em plenário, Gilmar Mendes, que ainda não votou, fez críticas ao Ministério Público e aos termos de algumas colaborações. Na avaliação dele, alguns delatores da Lava-Jato obtiveram benefícios não previstos em lei.

— A Procuradoria pode muito, mas pode tudo? É isso que a lei autoriza? — questionou Gilmar.

GILMAR: “CLÁUSULAS ILEGAIS”
Ele citou três delações que, na sua avaliação, têm problemas: dos executivos da JBS, que é o caso em julgamento; do empreiteiro Ricardo Pessoa, da UTC, e de Sérgio Machado, presidente da Transpetro, subsidiária da Petrobras. No caso de Pessoa, lembrou que ele ganhou o direito de regime domiciliar diferenciado, com algumas prerrogativas que não estariam previstas na lei. No de Machado, foi previsto prazo prescricional de dez anos, quando o máximo permitido é de seis meses.

— Há acordo suspendendo prazo prescricional sem nenhuma base legal. No acordo de Sérgio Machado foi prevista suspensão por dez anos. Está mudando a lei? A Procuradoria assumiu a função legislativa? Cláusulas ilegais como essa, flagrantemente ilegais, podem ser homologada, seja lá pelo relator ou submetida ao plenário? A questão é aqui mais delicada, pois trata da extinção da punibilidade — concluiu o ministro.

Gilmar também discordou de Fachin ao dizer que o momento de verificar a efetividade do acordo é quando houver sentença no processo decorrente da delação.

— Se se opta pela extinção da punibilidade, que é o benefício dos benefícios, não haverá denúncia. Em que processo vai fazer a verificação sobre a efetividade do acordo? — questionou.

Antes de começar a votação, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, defendeu a manutenção das regras atuais. Segundo Janot, a decisão tomada pelo STF vai afetar outras delações, envolvendo não apenas políticos, mas também crimes como tráfico e terrorismo.

— A mensagem será: ao acordar, o Ministério Público pode, mas não muito; ao acordar, o Ministério Público promete mas não sabe se vai poder cumprir — disse Janot, acrescentando: — A decisão tomada aqui vai alcançar as delações premiadas para apurar tráfico de drogas, de armas, de pessoas, PCC, Comando Vermelho, sequestro, terrorismo, toda a forma de macrocriminalidade.

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