A guerra fiscal entre Estados, uma descarada violação do sistema tributário durante décadas, acaba de ser convalidada, facilitada e prorrogada sem limites, com a aprovação e a sanção da Lei Complementar 160/2017. A sanção, com dois vetos, foi assinada pelo presidente Michel Temer na segunda-feira passada e publicada no dia seguinte no Diário Oficial da União. A partir de agora, governos estaduais poderão manter por até 15 anos benefícios fiscais ou financeiro-fiscais concedidos ilegalmente, isto é, sem aprovação do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). Também poderão instituir facilmente novos incentivos, antes sujeitos, pela lei, a regras estritas, mas com frequência rompidas. A atração de empresas para Estados menos desenvolvidos foi em grande parte baseada, durante mais de 40 anos, na oferta irregular de estímulos tributários, um desvio nunca reprimido com suficiente eficácia pela Justiça.
O perigo da guerra fiscal já era claramente perceptível há cerca de meio século. Em 1975, a Lei Complementar n.º 24 regulou a concessão de benefícios baseados no principal tributo recolhido pelos Estados, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICM). Isenções e outras facilidades só teriam validade se fossem aprovadas por todos os membros do Confaz, formado por secretários de todos os Estados e do Distrito Federal e presidido por um representante do Ministério da Fazenda. Apesar disso, os incentivos multiplicaram-se. Recursos ao Judiciário produziram pouco ou nenhum resultado, pela lentidão dos processos e pelo uso de artifícios para manutenção das políticas. Mantida na reforma constitucional de 1988, quando o ICM foi convertido em ICMS (com a inclusão de serviços), a proibição continuou inócua.
A guerra fiscal facilitou a instalação de indústrias nas áreas menos desenvolvidas, principalmente no Nordeste, e de certo modo foi mais eficiente que as políticas nacionais de desenvolvimento regional. Mas a ampliação da guerra forçou os governos estaduais, em certos momentos, a se envolver em leilões de incentivos para atrair investimentos. Como era previsível, a multiplicação dos envolvidos na guerra encareceu a atração de empresas, tornando mais evidente o caráter irracional da disputa.
Depois de tanto tempo, seria preciso regularizar os incentivos concedidos, numa espécie de armistício geral, e programar com alguma eficiência a extinção das distorções. Foi proposta a eliminação progressiva dos incentivos, com adaptação também progressiva das empresas beneficiárias ao novo sistema. Esse dispositivo foi eliminado na tramitação do projeto. A versão sancionada pelo presidente da República permite a manutenção dos benefícios por 15 anos, sem transição efetiva. Isso é um evidente convite a uma nova prorrogação, dentro de alguns anos. Além disso, a criação de incentivos será possível mesmo sem a unanimidade dos membros do Confaz. Bastará o apoio de dois terços das unidades federadas e de um terço das integrantes de cada região.
A sanção foi acompanhada de dois vetos. Os dispositivos vetados violam o Novo Regime Fiscal, por deixarem de apresentar o impacto orçamentário de cada renúncia tributária e, além disso, por equipararem subvenções destinadas a custeio a benefícios concedidos para investimento.
Os vetos impedem algumas distorções e até podem evitar, como indicado no texto, perdas para a arrecadação federal, mas os principais defeitos da nova lei complementar são mantidos. Acabou prevalecendo o interesse de governos estaduais em manter por longo tempo, e talvez sem prazo, uma política obviamente incompatível com a racionalidade econômica e tributária. O resultado também é muito confortável para as empresas, dispensadas de se ajustar a um sistema normal de tributação.
Além de tudo, a Lei Complementar 160 é mais um remendo tributário, por ser uma solução isolada, isto é, independente de um novo e indispensável desenho geral. Mas convém perguntar, desde já, se esse desenho refletirá um modelo de racionalidade ou também resultará de pressões pela manutenção de velhas distorções.
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