-Valor Econômico
Estão todos no sal, sem margem de erro ou clareza de futuro
Quem acompanha o nervosismo dos ministros midiáticos Luís Roberto Barroso e Luiz Fux para criar um contraponto com outro, Gilmar Mendes, pensa que o Supremo Tribunal Federal é uma guerra política da manhã à noite. Até é, mas alguns ainda estão fora de forma e às vezes confundem coragem com grosseria. Desclassificar um outro Poder, a quem cabe a atribuição de discutir e votar a reforma política, como fez Fux em declaração à repórter Carolina Brígido, já não é mais audácia. Pode ser um estado de educação em fúria, fazendo com que o presidente do Poder atingido reaja, intimidado e perplexo. Como no Congresso há corruptos, os ministros estão deitando e rolando, é déficit de polidez pra todo lado. O Congresso vive em débito com a humanidade, sempre viveu, mas o Judiciário não fica atrás, ao contrário. Em privilégios, salários, benesses, mistura do público e privado, está sempre à frente.
Embora a presidente da Corte tenha sugerido que todos evitem falar fora dos autos, todos falam fora dos autos, vários libertaram presos sem mais delongas, quase todos têm parentes atuando no meio jurídico e a maioria já foi questionada, por uma razão ou outra, por suas ações. Serão todos punidos por seus pares em plenário? O mais provável é que nenhum seja. O Congresso está em débito mas o crédito do Judiciário é um conjunto de privilégios.
Cada um dos Poderes tem suas atribuições constitucionais e, enquanto o Congresso faz a Constituição e as leis, o Supremo julga seu cumprimento. Funções nítidas. Deviam ficar combinados assim pelo menos para não levar à sociedade essa disputa de poder, popularidade e eleitorado, enfim, a guerra pelos refletores.
Ao chamar de indecentes deputados que apoiam o distritão, Fux subiu ao pódio para receber seu troféu, pois tem muitos ali com zero de popularidade. Mas os da linha de frente no combate à corrupção parecem desesperados quando assim agem, talvez porque se misturam tanto que o eleitorado já não percebe diferença.
Na mesma semana em que os ministros Barroso e Fux foram à praça atacar o colega Gilmar, os congressistas, a reforma política, a ação de outro poder, pesquisa publicada por "O Estado de S. Paulo", do Instituto Ipsos, mostrou que estão todos no sal, sem margem de erro. O desgaste chegou até ao juiz Sergio Moro, aos procuradores Rodrigo Janot e Deltan Dallagnol, à ministra Cármen Lúcia.
Com rejeição acima dos 50 % estão Gilmar Mendes (o primeiro lugar disparado), Rodrigo Janot, Edson Fachin; pouco abaixo estão Cármen Lúcia e Dallagnol; na faixa dos quase 40% estão Joaquim Barbosa e Sergio Moro. Ou seja, o eleitorado avisa que está percebendo o jogo ensaiado para a arquibancada. Os ministros do Supremo que resolveram se aproveitar do vácuo pós denúncia contra Michel Temer, nas duas últimas semanas, não aparecem nas pesquisas, ainda, mas talvez tenham pesquisas próprias mostrando que o bom negócio ainda é atacar o Congresso, a Geni nacional, para evitar rebaixamento de nota, como alguns colegas que não só não atacam o Congresso como soltam presos.
O ministro Edson Fachin, embora na pesquisa caia no conceito do eleitorado, talvez por cansaço do seu tema de relator da Lava-Jato, ainda consegue manter discrição e distância da mosca azul, reservando-se para os autos. Embora se permita análise fria sobre como vê as fases da ação do Supremo a partir da sua chegada ao processo. E embora não admita que o STF extrapola, exagera e interfere mais do que deveria, acredita que o reencontro da Corte com sua vocação de tribunal constitucional ainda está um pouco longe.
O STF pender para a política partidária, segundo a avaliação de alguns de seus integrantes, não é uma distorção ruim. Afinal, alguém precisa encontrar um caminho para desatar as amarras do dissenso não resolvido. O lado problemático é que, do ponto de vista do estado democrático, o STF acaba participando do deficit de democracia e deixando de proteger as minorias políticas.
Fachin estabelece uma 'especialidade' dos Poderes e, nela, cada um com sua agenda. E ainda fica admirado ao ver que temas que mexem com orçamentos bilionários não ganham o destaque que tem, por exemplo, um habeas corpus da Lava-Jato. As questões tributárias, financeiras, fiscais e previdenciárias, de Estados e municipios e da União, tomam 40% do trabalho do gabinete do ministro relator da Lava-Jato. Mas nem parece que ali habitam.
A Lava-Jato, no cenário que o ministro considera, é uma antes e outra depois da delação da Odebrecht, homologada em janeiro. No primeiro semestre deste 2017, foi necessário fazer uma reordenação metodológica de tudo. Em seguida, houve a delação dos irmãos Batista, depois o inquérito sobre o presidente da República. Primeiro semestre de dedicação prioritária à Lava-Jato, definida como todo e qualquer procedimento criminal, seja inquérito ou ação penal, que envolva a Petrobras como vítima.
No segundo semestre, enquanto os inquéritos andam, serão pautados recebimentos de denúncia, ações penais, instrução e julgamento - a ideia é julgar, até o fim do ano, ao menos duas ações penais.
O ministro Fachin não se assusta com a divergência, o pedido de prestação de contas, a cobrança da imprensa que, a seu ver, é o fio condutor da relação do tribunal com a sociedade.
A fase atual do STF ainda vai durar alguns anos. Ela mistura um pouco das fases anteriores, da conclusão da negociação fiscal com Estados, Municipios, União e a criminal entrando forte, com a Lava-Jato.
Opinião consensual reconhecida internamente é que o STF vem se transformando, há exatos três anos: passou de tribunal da crise política com o impeachment, depois da crise fiscal e a terceira, do momento, assumiu-se como uma instância de natureza criminal. Quando voltará a ser um tribunal constitucional?
Para o condutor da Lava-Jato, daqui a 8, 10 anos, quando o ciclo atual se completar, será necessário ver a infraestrutura do próprio tribunal, a gestão de pessoal. Sua dimensão interna e externa. Em sua opinião, e diz que não está só, é que a vocação do STF o tornará uma Corte só constitucional. Para isso, quatro alterações serão fundamentais.
A primeira é a própria cultura interna. Há que se entender que um tribunal de índole constitucional não pode julgar todas as matérias. A gente julga do lápis até a turbina, diz Fachin. A segunda é do regimento interno para melhorar o seu funcionamento. A terceira, mudança infraconstitucional como, por exemplo, a regulação da prescrição criminal. Por último, um ajuste constitucional. Mas isso já no horizonte de dez anos, e 2027 está bem longe.
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