Estudo sobre ação política contra a ‘Mãos Limpas’ tem lugar de destaque na mesa de Janot
Renata Mariz | O Globo
BRASÍLIA- Em meio a uma série de denúncias de corrupção que envolvem parlamentares de alto escalão e até mesmo o presidente Michel Temer, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, guarda em seu gabinete uma lista com 13 medidas legislativas que detonaram a Operação Mãos Limpas na Itália. O exemplo italiano serve de comparação toda vez que se tenta mirar a Lava-Jato no Brasil, afirmou Janot ao GLOBO.
Na opinião do procurador-geral, uma das tentativas mais claras foi a ação da Câmara dos Deputados de desfigurar o pacote das dez medidas anticorrupção, transformando-o num projeto para punir juízes e membros do Ministério Público por abuso de autoridade. O documento guardado por ele como uma espécie de guia, assinado pelo procurador de justiça no Paraná Rodrigo Régnier Chemim Guimarães, elenca iniciativas tomadas pelo governo e Congresso italianos a partir de 1994, quando os processos da Mãos Limpas alcançaram o ápice.
Tão ou mais fanáticos por futebol que os brasileiros, os italianos foram surpreendidos com o decreto batizado de “salvaladri” (Decreto Salva-ladrões), que proibia prisão preventiva para crimes contra a Administração Pública e o Sistema Financeiro, aprovado no dia da semifinal da Copa do Mundo, disputada entre Itália e Bulgária, em julho de 1994. Apenas prisão domiciliar passou a ser permitida. Nessa época, segundo o texto guardado por Janot, 2.764 presos por crimes desse tipo, sendo 350 detidos pela Mãos Limpas, incluindo o ex-ministro Francesco De Lorenzo, beneficiaram-se do decreto, que não chegou a ser aprovado pelo Parlamento devido à repercussão, mas produziu efeitos por ter ficado em vigor por uma semana.
Outro tiro no coração da Mãos Limpas descrito no texto foi uma lei de 1997 que proibiu o uso de declarações colhidas unilateralmente na fase de investigação, havendo necessidade do contraditório, como ocorre no Brasil. Apesar de mais garantista, a nova norma teve como efeito naquele momento a anulação de boa parte das provas dos processos, gerando a prescrição por decurso de tempo. Em 2001, outra mudança na lei anulou provas colhidas no exterior por carta rogatória, muitas das quais vindas da Suíça, inclusive as que comprovavam a corrupção de juízes romanos.
Após anos de pressão de empresários italianos, o Parlamento aprovou, em 2001, a lei que diminuía a pena para crimes de falsidade contábil, o que gerava a prescrição mais rapidamente, e ainda proibia a prisão preventiva e a produção de provas por interceptação telefônica. No mesmo pacote, foram despenalizadas algumas condutas, como falsificação de balanços. Na época, o próprio presidente, Silvio Berlusconi, tinha cinco processos por falsidade contábil.
Mais recentemente, em 2014, uma lei publicada às vésperas do Natal, em 24 de dezembro, acabou com a pena para crimes de sonegação fiscal, como fraudes, falsas faturas e omissão de declaração de um determinado imposto, descreve a lista mantida por Janot sobre as manobras italianas contra a Mãos Limpas. “No Brasil, estamos correndo sério risco de repetir o modelo de proteção aos corruptos, em certa parte operado no âmbito da legislação italiana", alerta o autor do texto, intitulado “Déjà vu: diálogos possíveis entre a Operação Mãos Limpas italiana e a realidade brasileira".
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