- Valor Econômico
O proselitismo liberal tem ressurgido como um contraponto à política que prefere o protecionismo comercial
Tal qual aconteceu na cúpula do G-20 - reúne 19 países com as economias mais desenvolvidas, além da União Europeia - na reunião de julho em Hamburgo, economistas e representantes de Bancos Centrais reiteraram na semana passada, em Jackson Hole (vale de Jackson, no Estado de Wyoming, nos Estados Unidos), a importância do livre comércio como estímulo à retomada do crescimento mundial.
O proselitismo liberal tem ressurgido com ênfase nos discursos econômicos como uma espécie de contraponto à realidade política que tem dado preferência ao protecionismo comercial.
O encontro de Jackson Hole, promovido pelo Federal Reserve Bank of Kansas City entre os dias 24 e 26 de agosto, foi dedicado ao tema "Promovendo uma Economia Global Dinâmica" ("Fostering a Dynamic Global Economy"), mas, objetivamente, não apresentou nenhuma nova informação que pudesse trazer alento aos empresários e trabalhadores que ainda sofrem com a recessão deflagrada com a crise dos sub-primes nos Estados Unidos, lá se vão dez anos.
Mario Draghi, presidente do ECB - banco central europeu, com atuação nos países da zona do euro - frustrou o mercado financeiro. Não anunciou mudanças na política monetária de flexibilização quantitativa, que se vale da emissão de moeda para aliviar a retração econômica e o desemprego na Europa.
A rigor, Draghi não pode adiantar-se aos acontecimentos políticos diante das incertezas do Brexit - a saída do Reino Unido da UE. Muito embora nunca tenha optado por substituir a libra esterlina pelo euro, o Reino Unido foi até aqui um importante parceiro no sistema de livre trânsito de mercadorias, investimentos e de trabalhadores da UE.
De acordo com o trabalho de John Van Reenen, professor de economia no MIT desde o ano passado, não há dúvidas de que o populismo, vencedor do Brexit e eleitor de Donald Trump, representou um reverso na política liberal que vinha predominando no mundo desde a queda do muro de Berlim e a dissolução da União Soviética. Van Reenen levou a Jackson Hole um resumo dos estudos que desenvolveu na London School of Economics nos 13 anos em que lá atuou antes de mudar-se em 2016 para Boston.
No paper "Brexit e o Futuro da Globalização" ele comenta algumas consequências do Brexit, das mais suaves às mais significativas, dependendo das negociações em Bruxelas, mas não há dúvida de que haverá perda de renda no Reino Unido.
Aquela expectativa, aliás, ajuda a explicar a desvalorização da libra frente ao euro. Ontem, a libra fechou valendo € 1,0803, perto da paridade, bem abaixo da cotação de € 1,3025 observada em 21 de junho do ano passado, às vésperas do referendo do Brexit.
Há ali, claramente, um importante fator a impactar o valor do euro sobre o qual Mario Draghi não tem a menor ingerência. A moeda europeia também tem se valorizado diante do dólar pelas incertezas que afetam os Estados Unidos, no rastro das maluquices de Trump.
Internamente, a performance econômica em geral da zona do euro, que deve crescer este ano na faixa de 2,2% a 2,1%, é um sinal firme de melhora, muito embora ainda existam bolsões de desemprego, cuja taxa mantem-se alta na Itália (11%), na Espanha (17%) e na França (9,5%).
Diante da insegurança, Draghi limitou-se em Jackson Hole a falar sobre temas mais óbvios, como a defesa do aumento da produtividade e do fortalecimento do comércio global como políticas estabilizadoras que não só puxam a expansão da economia mundial, mas também ajudam a enfrentar o rápido envelhecimento da população.
Já a presidente do Fed, o banco central dos Estados Unidos, Janet Yellen, usufrui posição bem mais confortável, com a reversão do afrouxamento monetário em curso. A taxa dos fed funds, que chegou a 0,25% ao ano no final de 2008, está hoje em torno de 1% a 1,25% ao ano, enquanto que o Fed promete para breve o início do processo de redução dos US$ 4,5 trilhões do portfólio de ativos privados que carrega em carteira. Representam o lastro do dinheiro injetado na economia norte-americana a partir da crise dos sub primes.
Apesar de Trump, a situação econômica dos Estados Unidos está mais estabilizada quando comparada à da Europa. Segundo as informações de Yellen em Jackson Hole, ao longo de doze trimestres, na posição do final do primeiro trimestre de 2017, os empréstimos tomados junto a bancos americanos pelo setor não financeiro cresceram à taxa anual média acima de 6%.
Ela usou boa parte de seu tempo para defender as medidas de regulação e de controle do sistema financeiro impostas pelas autoridades americanas após o desastre do banco Lehman Brothers. Não é para menos, diante do risco que aquelas medidas correm no governo Trump, um confesso adepto da maior liberdade de atuação no sistema financeiro.
Merece destaque o paper do diretor do Departamento de Pesquisa do FMI, Maurice Obstfeld, sobre os desequilíbrios nas contas correntes globais. Ao comentar criticamente as ideias de Menzie Chinn, da Universidade de Wisconsin, Obstfeld trouxe à luz as divergências de abordagem do tema, em debate considerado inconclusivo e muitas vezes inapropriado.
"Para alguns, o superávit da Alemanha na conta corrente, de 8,3% do PIB em 2016, é a resposta ótima para o envelhecimento da sua população e desejo de retidão fiscal com relação ao resto do mundo. Para outros, é fonte de indesejadas pressões deflacionárias em uma economia mundial com já baixas taxas de juros, ou perda de empregos em seus parceiros comerciais", escreveu Obstfeld, indicando que a avaliação varia conforme o ponto de vista. Para ele, a permanecerem baixas as taxas reais de juros, os desequilíbrios globais não tendem a diminuir tão cedo. Jackson Hole retratou este ano o desarranjo que ainda paira no mundo!
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