- Valor Econômico
Guerra bandeirante tem cimento e finança de munição
Michel Temer ainda exercia seu primeiro mandato como vice-presidente quando acumulou créditos na balança de suas relações com o prefeito de São Paulo, João Doria. No terceiro ano do mandato, em viagem de volta da China, parou em Abu Dhabi. Resistiu ao roteiro, por cansativo, mas foi convencido à escala por um amigo comum. Temer era o principal convidado da cerimônia de pedra fundamental da fábrica de derivados de carne da BR Foods.
A promoção era da empresa de eventos de Doria em benefício da fabricante de alimentos que tem como conselheiro o substituto do prefeito de São Paulo nos seus negócios, Luiz Fernando Furlan. Doria já havia deixado claro seu interesse em estreitar relações políticas com o grupo do presidente ao procurar dois de seus amigos naquele ano para comunicar seu interesse em se candidatar a prefeito de São Paulo dali a três anos.
O anúncio, por pretensioso, foi recebido com reservas, o que não o impediu de ser convidado a se filiar ao PMDB. Ao preferir se manter no PSDB, Doria reproduziu, com sinais trocados, a trajetória de Temer. Na revoada tucana de 1988, o atual presidente foi aconselhado por Franco Montoro a permanecer para fazer a ponte entre os ex-pemedebistas e o antigo partido.
Esses vínculos se provariam determinantes para o pacto de não agressão firmado na disputa de 2016. Numa reunião em Brasília da qual participou toda a cúpula de comunicação pemedebista, Antonio Lavareda fez um frio diagnóstico da campanha. Se a candidata do PMDB, Marta Suplicy, e Doria continuassem a se estapear acabariam por eleger Celso Russomano prefeito.
As pretensões presidenciais de Doria cresceram na mesma medida em que decaíram as chances de Temer ser reeleito. O presidente, na definição de um integrante de seu próprio grupo político, corre o risco de sair da Presidência menor do que entrou. A ascensão de Doria passou a ser o atalho para aquele que se tornou o plano A do grupo de Temer: a eleição do presidente da Federação das Indústrias de São Paulo, Paulo Skaf, ao governo estadual.
Por isso o presidente da República está disposto a se empenhar por uma aliança que reúna PMDB, PSDB e DEM em torno de Doria. Está mais bem posicionado do que ninguém para recompor, por exemplo, as relações entre o prefeito e o senador tucano Aécio Neves, cujo afastamento definitivo da direção do PSDB foi abertamente pedido por Doria. Outros tucanos aproximaram-se do prefeito nos últimos tempos (Beto Richa, Cássio Cunha Lima e Marconi Perillo), mas Aécio é o único em condições de obstruir a pretensão de Alckmin de antecipar as prévias do partido para dezembro, data que inviabilizaria a participação de um prefeito que nem sequer teria completado um ano no cargo.
A chegada de Doria ao Palácio do Planalto seria a maneira mais segura de o atual presidente evitar uma caça às bruxas. Mas este não é o principal cimento da aliança Temer-Doria. O presidente pode se convencer da necessidade de se candidatar pelo menos a deputado para manter o foro.
O prefeito é visto como um político mais maleável a demandas empresariais, do que o governador de São Paulo. Um pemedebista enumera as empreiteiras paulistas que estão à míngua porque Geraldo Alckmin, na sua definição, governa São Paulo como se fosse um banco - "Ele deixa sangrar até a morte, não ajuda ninguém".
No grupo de Temer, a percepção é de que Alckmin é aquele vendedor de carro usado com quem se pode negociar sem nem mesmo virar a chave. E desde que o cunhado não aja como atravessador. O prefeito de São Paulo, por outro lado, é mais bem visto por cultivar o "sentimento de reciprocidade" do qual o governador é desprovido.
A percepção é referendada pelas últimas licitações feitas pelo Palácio dos Bandeirantes, abertas a empreiteiras estrangeiras e amarradas a financiamentos e garantias que inibem aditivos. A frieza do governador é atestada também por investidores que, na disputa interna do PSDB, já se colocaram a seu lado.
Num encontro recente com meia dúzia de dirigentes do mercado financeiro, Alckmin não fez rodeios na avaliação de que a política de juros "só beneficia banqueiros". Contestado, seguiu adiante: "Vocês teriam quebrado o país em 2002 se Lula não tivesse nomeado Meirelles".
Convergem na avaliação de que sua franqueza desabrida se acentuou com a morte precoce do caçula. Alckmin perseguiria suas metas como quem já não tem muito a perder. É o que explica declarações inimagináveis tempos atrás ("Meu pai sempre me disse que política é dedicação, coragem moral e vida pessoal modesta. Ficou rico é ladrão") ou reações cotidianas como aquela que teve diante de especialista que tentava lhe convencer da viabilidade eleitoral de seus planos: "Você me explica o projeto, de voto entendo eu".
Esses investidores engolem Alckmin a seco porque aprovam sua política fiscal e também pelo desencanto com Doria, atribuído a dois traços que descobriram no prefeito: é apegado a firulas e não ouve. Não faltariam exemplos, como exigências em relação a vestimentas, de garis a secretários, que são convidados a retirar a gravata em reuniões que o prefeito não as usa.
A esta fixação se contrapõe um comportamento definido como superficial. Há secretários que passaram a se guiar pelo que Doria diz na imprensa para conduzir suas pastas dada a dificuldade de falar - e ser ouvido - com o prefeito que não para de viajar pelo país. "Não são as doações de empresários que vão resolver os problemas do Brasil", resume um investidor.
A fatia bandeirante do pacto em gestação é outro ponto de insatisfação. Skaf é identificado ao mar de subsídios, isenções e refis que inunda o governo Temer. Ao presidente da Fiesp contrapõem nomes como Luiz Felipe D'Ávila, dirigente do Centro de Liderança Pública, celeiro de liberais simpáticos à abertura de oligopólios, como o da infraestrutura.
Este é apenas um dos mercados pelos quais guerreiam. A disputa só chegou a esse ponto porque não há ameaças à esquerda no Estado. A corda ainda vai ficar muito mais esticada antes de se prestar à costura. Se Doria não se viabilizar como presidenciável, o grupo de Temer trabalhará por um acordo com Alckmin. Não se espera que o PSDB abra mão de lançar um candidato em São Paulo, mas é um pacto de não agressão que se busca - uma conquista, para o padrão bandeirante.
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