Deixado livre de amarras pela fraqueza do Executivo, o Congresso está minando os alicerces da "ponte para o futuro" que o governo de Michel Temer pretendia construir. Quando a força numérica da bancada governista é o que mais conta para preservar o presidente, acuado, como seu círculo palaciano, por denúncias, a coerência de um programa econômico sóbrio acaba desfigurada pela feira livre de interesses parlamentares. Como no passado, acumulam-se exemplos de projetos criados ou alterados pelo Legislativo, que são nocivos para a economia, aos quais o Executivo não tem a intenção de se opor. A equipe econômica tem rumo e corretos propósitos, mas a dependência política do Planalto é o fato dominante ao qual a lógica da busca de recuperação da economia termina por se render.
A base de apoio governista, no geral, é de baixa qualidade, como era durante o mandato da petista e Dilma Rousseff - na verdade, era a mesma turma, excluídos o PSDB e o DEM. Diante de um grave desequilíbrio das contas públicas, a maior parte das siglas de aluguel não apenas eximem-se de qualquer responsabilidade como comportam-se com o dinheiro público como se os tempos fossem normais. O polo aglutinador e que deveria dar a direção dos projetos prioritários é a coordenação política do Planalto. Mas ela gasta grande parte de seu tempo barganhando apoios e procurando assegurar a sobrevivência do governo.
A novela do novo Refis, um programa de alívio fiscal que se tornou anual, é só um exemplo entre vários. A bancada da dívida na Câmara, por meio do deputado mineiro Newton Cardoso Jr., do partido do presidente Temer - que tem compromissos vencidos de R$ 67 milhões -, produziu pela segunda vez mudanças que levaram a expectativa de arrecadação imediata de R$ 13 bilhões a minguar drasticamente para R$ 500 milhões, com perdão generoso de 99% de multas, juros e encargos em alguns casos e prazo de pagamentos de até 20 anos. Em 2018, a expectativa de arrecadação do programa, se aprovado, cairá cerca de R$ 20 bilhões.
Perdões generosos embalaram também o Refis rural, as dívidas dos ruralistas com o Funrural, destinado à Previdência que o governo quer reformar. O governo aceitou na MP 793 abatimento de 25% das multas, perdão de 100% dos juros, prazo de 14 anos e 8 meses de pagamento, com entrada de 4% parcelada em 4 vezes, correção dos débitos pelo IPCA, além da redução da alíquota do próprio tributo de 2% para 1,2%. Nos próximos três anos, a renúncia fiscal do projeto oficial é de R$ 5,44 bilhões. Os ruralistas querem condições ainda mais favoráveis e pespegaram 743 emendas à MP (Valor, ontem). O que o Executivo não aceita no Refis urbano, o abatimento total dos juros, é dado de barato no Refis rural.
Como era esperado, a novela da convalidação dos benefícios fiscais concedidos pelos Estados acabou mal. A equipe econômica jogou certo, exigiu corte paulatino dos incentivos ao longo dos 15 anos do prazo para sua extinção. Antes a convalidação era um passo vinculado à redução e uniformização das alíquotas do ICMS, em um quadro coerente que poria fim à guerra fiscal. O resultado agora pode ser o oposto. Não há unificação de alíquotas, admite-se o que se queria evitar, a concessão de novos incentivos, com regras mais flexíveis para sua aprovação.
O rebaixamento da reforma da previdência a uma "atualização" terá efeitos no curto prazo. O secretário da Previdência, Marcelo Caetano, vê um aumento do déficit previdenciário de R$ 20 bilhões em 2018 na ausência da aprovação do texto aprovado na comissão especial (O Estado de S. Paulo, ontem). Como esses gastos avançarão R$ 40 bilhões em 2018, e haverá elevação da folha de salários por força de reajustes já concedidos, estima-se que o teto de gastos será excedido em algo como R$ 10 bilhões (Valor, ontem). O governo cogita elevar impostos para conter o rombo.
Como fica óbvio pelos números, as benesses concedidas no Congresso têm impacto importante no déficit fiscal. Elevar impostos para permitir que o presidente Temer pague suas dívidas políticas é um expediente ruim, danoso para as contas públicas. Seria importante que o presidente fizesse esforços junto aos partidos aliados, nesse momento de aguda crise fiscal, para barrar no Legislativo todas as iniciativas que implicassem redução de receitas, e se empenhasse em um derradeiro mutirão pela aprovação integral da reforma da previdência social.
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