Por Fabio Graner e Raphael Di Cunto | Valor Econômico
BRASÍLIA - Na contramão da emenda à Constituição aprovada pelo Congresso para reduzir o número de partidos, uma das mudanças na legislação eleitoral feita pelos mesmos deputados e senadores poderá facilitar a eleição de deputados e vereadores de partidos menores já no próximo pleito.
O texto altera a regra de distribuição das chamadas "sobras" de vagas, calculadas a partir do quociente eleitoral de partidos e coligações - número mínimo de votos recebidos por uma coligação para ter direito a uma vaga no Legislativo. A nova versão permite que possam entrar nessas vagas candidatos de partidos que não tenham atingido esse índice. Na prática, trata-se de uma flexibilização da "cláusula de barreira" que representa o quociente eleitoral, embora restrita às sobras.
A mudança foi realizada no parágrafo 2º do artigo 109 do Código Eleitoral, que previa que a distribuição das vagas remanescentes só ocorreria para os candidatos de partidos ou coligações que tivessem atingido o quociente eleitoral. Agora essa exigência sai e "poderão concorrer à distribuição dos lugares todos os partidos e coligações que participaram do pleito".
Para a advogada e especialista em direito eleitoral Gabriela Rollemberg a mudança é positiva. "Isso torna o sistema mais proporcional, permitindo que na sobra entre quem teve mais votos, mesmo que seu partido não tenha atingido o quociente", explicou. "Antes havia uma discrepância com a desconsideração desses votos", completou.
O consultor do Senado Marcos Kohler avalia que, na prática, o quociente eleitoral foi extinto. "A finalidade dele que era limitar o acesso a quem atingisse um mínimo de votos foi perdida", afirmou. "A medida criou condições semelhantes a um distritão para os candidatos que não teriam acesso por meio dessa cláusula de barreira", acrescentou Kohler. Para ele, por definição, uma cláusula de barreira prejudica a proporcionalidade, mas em nome de um sistema político menos fragmentado.
A medida deve diminuir a ocorrência de casos como o da ex-deputada Luciana Genro (Psol-RS), que, mesmo sendo a candidata mais votada de seu Estado em 2010, não conseguiu se eleger para a Câmara dos Deputados. No mesmo ano, o Psol também teve o nono candidato a deputado federal mais votado do Ceará, mas que também ficou de fora da Câmara por causa da regra.
O tema do preenchimento das sobras de vagas é alvo de controvérsias que estão sendo discutidas no Supremo Tribunal Federal (STF). Uma ação do Partido da República, que tramita desde 2009, questiona o próprio parágrafo segundo, com a visão de que ele descumpre preceito fundamental da "igualdade de chances", prejudicando o "pluralismo político".
Outro processo, ingressado pela Procuradoria-Geral da República e que teve liminar concedida pelo ministro Dias Toffoli, questionava os critérios de distribuição dessas vagas definidos na reforma eleitoral de 2015. A ação não criticava a exigência do quociente na partilha, mas já apontava que os critérios do artigo 109 geravam riscos de concentração e prejuízos à proporcionalidade.
Segundo a deputada federal Renata Abreu (SP), presidente do Podemos, a ideia era adequar a legislação à emenda constitucional que proibiu as coligações proporcionais a partir de 2020. Hoje é comum que Estados menores tenham apenas duas grandes coligações, uma ligada ao governo local e outra ao principal adversário. Com a proibição, todos os partidos terão que lançar chapas próprias e muitos não devem alcançar o quociente. "Mas realmente ficou ruim aplicar essa regra já para 2018".
O deputado Ivan Valente (Psol-SP) afirmou que essa era uma demanda dos partidos pequenos ideológicos, mas que também beneficia os demais. "Dividir as vagas da sobra por todos torna o sistema mais justo. Um partido pode fazer dois deputados com 1,5 quociente. E outro que chegasse a 0,95 do quociente não elegeria nenhum parlamentar", disse.
Em 2014, 73 das 513 vagas da Câmara dos Deputados foram divididas na sobra. Até oito partidos poderiam ter se beneficiado da mudança, como PHS, PTC, PSC, mas não necessariamente seriam só os pequenos os favorecidos. PT, PSD e PSDB quase alcançaram o quociente em três Estados em que são mais fracos e poderiam ter herdado as cadeiras.
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