Por Raphael Di Cunto e Marcelo Ribeiro | Valor Econômico
BRASÍLIA - Rejeitado ontem pela Câmara o pedido do Supremo Tribunal Federal para investigar o presidente Michel Temer e dois de seus ministros, o governo agora terá que fazer uma escolha. Ou insiste na reforma da Previdência, mesmo que mínima, ou ajeita as contas de 2018, com a aprovação das medidas de ajuste fiscal, ou aprova a agenda microeconômica, com as reformas do Código de Mineração, do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) e da tributação do petróleo.
Um dos problemas é o desgaste da base aliada, cansada de assuntos impopulares, que dificilmente aprovará esses temas no ano eleitoral. Se aproveitar o restante do ano antes do recesso parlamentar para reformar a Previdência a qualquer custo, como pretende, ficará sem tempo para votar outros temas prioritários. Nove medidas provisórias perderão a validade se não forem aprovadas pelo Congresso até 28 de novembro - entre elas, as três da mineração. Câmara e Senado têm cinco semanas, com dois feriados, para votar tudo. Nas outras três semanas restantes até o recesso, mais três MPs caducam. Líderes da base aliada sugerem que o governo abra mão da PEC da Previdência, difícil de ser aprovada, para votar outras medidas importantes.
A queda de braço entre Temer e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, pelo protagonismo na agenda econômica do pós-denúncia também provocará dificuldades. O presidente ganhou mais uma ontem com o arquivamento da denúncia contra ele, por 251 votos a 233, mas saiu enfraquecido para concluir as reformas. Maia, que se torna uma espécie de CEO do governo, e o presidente do Senado, Eunício Oliveira, ganharam importância. Para atender Maia, o governo vai encaminhar o ajuste fiscal de 2018 não por medida provisória, com validade imediata, mas em projetos de lei. Se não forem aprovados até dezembro, o adiamento do reajuste dos servidores por um ano e a tributação dos fundos exclusivos não terão efeito nas contas de 2018.
Temer foi internado ontem no Hospital do Exército, em Brasília, para desobstrução urológica. Ao sair, declarou: "Estou inteiro".
Temer prevalece e julgamento fica para 2019
Com queda no apoio ao governo, que ficou abaixo da simbólica maioria dos parlamentares, a Câmara dos Deputados rejeitou ontem a autorização para que o Supremo Tribuna Federal (STF) julgasse a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) de que o presidente Michel Temer cometeu os crimes de organização criminosa e obstrução de justiça. Com essa decisão, o pemedebista só será julgado após deixar o mandato, em 2019.
O trancamento já era esperado até pela oposição, mas o placar mostrou recuo dos apoios ao governo em relação à primeira denúncia, rejeitada há quase três meses pela Câmara. Daquela vez, 263 deputados apoiaram a permanência de Temer e 227 votaram por seu afastamento. Agora, foram 251 votos a favor do pemedebista, 233 contrários, duas abstenções e 25 ausências.
A oposição, que viu enfraquecimento do governo, ficou longe dos 342 votos necessários para abertura do processo, mas comemorou a vitória simbólica. Temer ficou abaixo dos 257 votos, número que representa a maioria dos deputados e exigido para votações mais complexas, como leis complementares. 13 deputados do PSD, PMDB, DEM, Pode, PR, PSDB e PSB mudaram o voto ou apareceram desta vez. Só PR e PRB conseguiram reverter votos a favor de Temer.
Para o ministro de Governo, Antonio Imbassahy (PSDB-BA), um dos que retornou à Câmara para votar, o resultado "foi muito bom". "Alguns que votaram com a gente na primeira denúncia se ausentaram, mas isso tem viés positivo para o governo, são parlamentares que não gostariam de votar pela admissibilidade da denúncia", disse. As ausências aumentaram em todas as siglas.
Temer repetiu a estratégia da primeira denúncia: recebeu pessoalmente mais de 200 deputados, liberou verbas para as bases eleitorais de quem votou por preserva-lo, distribuiu cargos do segundo e terceiro escalões, exonerou nove ministros que são deputados licenciados e atendeu demandas dos parlamentares, mesmo que para isso discordasse da equipe econômica, como na sanção do Refis e na desistência de privatizar o aeroporto de Congonhas.
Os "achaques", contudo, ocorreram até para dar presença ontem. A estratégia da oposição era forçar o governo a colocar 342 deputados em plenário, o quórum mínimo para começar a votar. O Valor viu deputados de PP, PR, DEM, SD e PSD no plenário, mas sem registrarem presença, a espera da liberação de cargos e emendas pendentes. Líderes de partidos da base e ministros negociavam a execução de obras nos redutos eleitorais em troca da mera presença em plenário.
O governo só conseguiu o quórum às 16h, após o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ameaçar encerrar a sessão e marcar a votação para outro dia. A primeira sessão começou às 9h.
Os discursos favoráveis ao governo foram justificados pela governabilidade e estabilidade do país. Já os contrários à permanência de Temer acusavam o presidente de corrupção. "Temer, Cunha, Geddel. Nessa denúncia, quem não está preso está lá no Palácio do Planalto", afirmou o deputado Rubens Pereira Júnior (PCdoB-MA), em referência aos ex-deputados e aliados de Temer Eduardo Cunha e Geddel Vieira Lima, ambos presos. "Não vou ser responsável pela ingovernabilidade. Voto pelo relatório, pela governabilidade", disse Danilo Forte (CE), que deixou o PSB para continuar na base.
Pré-candidato à Presidência da República, o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ), que chegou a elogiar um torturador da ditadura militar ao votar pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, foi mais comedido a votar desta vez. "Senhor presidente, com a coerência de sempre, pelo fim da corrupção, meu voto é não, pelo prosseguimento das investigações", disse. Seu futuro partido, o PEN, contudo, voltou defender Temer.
Também apoiaram a rejeição da denúncia PMDB, PP, PSD, PR, DEM, PTB, Pros, PSL, PRB, SD e PSC. Com cargos no governo Temer, PSDB e PV estavam divididos e novamente liberaram suas bancadas, enquanto o PPS e Pode orientaram a favor da denúncia. Da oposição, PT, PSB, PDT, PCdoB, PHS, Psol e Rede votaram pela saída do pemedebista.
Nesta segunda denúncia, Temer era acusado de fazer parte de um grupo que o ex-PGR Rodrigo Janot classificou como "quadrilhão do PMDB na Câmara". Ao lado dos demais acusados, entre eles os ministros Moreira Franco (Secretaria-Geral da Presidência) e Eliseu Padilha (Casa Civil), o presidente teria recebido R$ 587 milhões em propina por desvios na Petrobras, Furnas, Caixa Econômica Federal, Ministério da Integração Nacional e da Câmara. No campo do crime de obstrução de justiça, Temer, segundo a Janot, orientou a JBS a realizar pagamentos para evitar que Lúcio Funaro e Cunha firmassem acordo de colaboração premiada.
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