Retomada de julgamento no STF pode chegar a uma fórmula sensata da prerrogativa que desengarrafe a Corte, apresse processos, e, assim, reduza a impunidade
Se não houver algum novo pedido de vista, pode acabar amanhã no Supremo um julgamento-chave, por tratar do alcance do chamado foro privilegiado, instrumento que, devido à amplitude com que é aplicado no Brasil, tornou-se causa de engarrafamento de processos no Supremo — sem falar em outras Cortes —, e, por decorrência, em motivo de impunidades de políticos, por prescrição de crimes.
A tramitação do processo, relatado pelo ministro Luís Roberto Barroso, havia sido suspensa por pedido de vista de Alexandre de Moraes, e retorna agora à pauta já com quatro votos em favor da reinterpretação restritiva do conceito, inscrito na Constituição, proposto pelo relator. Segundo ela, o foro deixa de ser da pessoa e passa a considerar o cargo, e apenas em crimes cometidos devido ao posto ocupado.
A sensata releitura feita por Barroso já obteve a concordância de Marco Aurélio Mello, Rosa Weber e da presidente do Supremo, Cármen Lúcia. Se conquistar mais dois votos entre os sete que faltam votar — Luiz Fux, Edson Fachin, Celso de Mello, Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski —, a tese já será vitoriosa. Sendo que pelo menos três desses ministros (Fux, Fachin e Celso de Mello) são conhecidos críticos da imunidade de 35 mil autoridades.
O processo sob relatoria de Barroso trata de caso exemplar: um beneficiário de foro provocou a descida de processo contra ele para a primeira instância, ao sair do cargo do qual era suplente, e, em seguida, provocou o retorno do caso ao STF, ao ser eleito mais uma vez, deste vez como titular do assento no Legislativo. Idas e vindas contribuem para as prescrições.
Há vários exemplos de parlamentares federais que renunciaram para forçar a descida de seu processo — às vezes por crime comum — do Supremo para a primeira instância. Neste caso, está Ronaldo Cunha Lima, paraibano, governador e senador, pai do atual senador tucano Cássio. Era processado por tentativa de homicídio. No âmbito da corrupção e similares, o deputado tucano Eduardo Azeredo (MG), protagonista do mensalão mineiro.
Na sua argumentação, o ministro Barroso chama a atenção para os 500 processos que existem no STF, um número excessivo para uma Corte que deveria ser exclusivamente constitucional. Ela não tem estrutura para tratar de demandas na esfera penal.
Daí, cita o ministro, o STF levar um ano e meio para receber uma denúncia, enquanto o juiz de primeira instância faz o mesmo, em média, em 48 horas. Explica-se por que, de acordo com a faculdade de Direito da FGV, entre 2011 e 2016, 68% das ações penais concluídas no STF prescreveram ou foram para instâncias inferiores, pela mudança de foro do processado. Eis a dimensão da impunidade.
Na Câmara, há um projeto já aprovado no Senado que mantém o foro apenas dos presidentes de poderes (da República, da Câmara, do Senado e do Supremo). Um exagero, como deputados já teriam percebido. O julgamento a ser retomado no Supremo pode prestar grande serviço também ao Congresso, liberando-o para se concentrar em outras pautas.
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