- O Globo
O juiz responsável pela Lava-Jato no Rio, Marcelo Bretas, acha que seu trabalho está longe do acabar. “Eu não vejo fim. Estamos numa ascendente. Muita coisa já é conhecida e outras tantas coisas, situações, investigações correm sob sigilo”, me disse em entrevista. Bretas admite que terá, “com certeza”, um ano de muito trabalho. Para ele, o que houve no Rio pode se chamar de “corrupção sistêmica”.
A velocidade e a abrangência do combate à corrupção no Rio impressionam. A prisão do ex-governador Sérgio Cabral foi no fim de 2016. Durante o ano passado, a Calicute cresceu, produziu um volume frenético de eventos, desdobrou-se em outras operações, e hoje Cabral está condenado em três processos, a 70 anos somados e muitas outras denúncias. Isso tudo ocorreu em pouco mais de um ano. A rapidez com que o caso se espalhou deixou claro que no Rio o roubo estava generalizado:
— A Calicute foi o primeiro processo da chamada Operação Lava-Jato no Rio. Houve uma demonstração que me convenceu de que havia uma grande organização criminosa que agiu durante vários anos no seio da administração pública no Rio. Ela foi claramente demonstrada na Calicute. Já está julgada e os recursos estão sendo analisados no Tribunal. Mas há outras denúncias em andamento e novas ações penais. Existem outras investigações em curso.
Bretas acha que o fato de a corrupção no Rio ter essa dimensão não deve assustar a sociedade, mas sim uni-la em torno do combate ao crime:
— Eu não gosto de falar de outros estados, mas no Rio posso garantir que a Justiça Federal, o Ministério Público e a Polícia Federal têm feito um bom trabalho. Temos feito aquilo que a sociedade espera da Justiça. Por isso, a corrupção sistêmica, a organização criminosa em grande escala na administração pública não deve nos assustar.
Na entrevista que me concedeu na Globonews, Bretas falou de outras questões como o fato de ser evangélico e ter usado textos bíblicos em sentenças. Ele disse que cita sim a Bíblia em algumas sentenças, mas deliberadamente não usa as partes doutrinárias da Bíblia, apenas as partes históricas.
— Numa decisão judicial não se deve citar textos religiosos, como por exemplo “Deus disse a Abraão” ou “o anjo disse a Maria”. Mas a Bíblia é também um livro histórico e são essas partes que cito. Considero que sou livre para citar a Bíblia, mas jamais decidiria segundo um texto religioso — disse o juiz, que disse ter certeza de que no país existe preconceito contra evangélico.
Bretas nega que haja problema na decisão do ministro Gilmar Mendes de suspender a possibilidade de uso da condução coercitiva. A decisão do ministro foi tomada antes do recesso e é em caráter liminar. Disse que não é preciso celeuma, porque pode ser substituída por outra medida. Mas acha que se houver a revogação da prisão em segunda instância será um problema grave:
— Sem dúvida seria uma derrota muito grande para o combate à corrupção como um todo, porque a Justiça tem que ser temida, não o Marcelo Bretas, não esse ministro ou aquele, mas a Justiça. É necessário que haja esse temor. Ainda mais agora num ano eleitoral. As pessoas têm que considerar: se eu fizer alguma coisa errada eu posso ser preso, condenado, envergonhado. É preciso que haja respeito pela Justiça. E você condicionar o cumprimento de uma sentença criminal, confirmada por um tribunal, a uma decisão anos e anos depois, com a devida vênia de quem entende o contrário, é colaborar muito para o sentimento de impunidade, de que talvez o crime compense.
Perguntei ao juiz se o post que ele fez recentemente, de uma foto sua com policiais e ele com um fuzil na mão, era algum recado para quem o ameaça, de que ele está preparado. O juiz disse que não comenta as ameaças nem quis dar recado, mas que tem um esquema de segurança e o segue à risca:
— Eu não sou ingênuo de achar que nada vai me acontecer. Há pessoas que criticam o fato de um juiz estar com arma. Nós vivemos no Brasil, no Rio, os índices de violência são realmente graves.
Bretas diz que a sociedade brasileira de uma forma majoritária tem apoiado o combate à corrupção. “O que nós estamos vendo nos últimos anos mostra que é possível. A corrupção não resiste à transparência.”
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