Em que pese o diagnóstico correto do professor Ricardo Hausmann, de Harvard, sobre a calamidade venezuelana, sua proposta de intervenção militar estrangeira para derrubar o ditador Nicolás Maduro constitui um devaneio perigoso, além de ajuda involuntária a um regime falido.
Ex-ministro do Planejamento daquele país (1992-93) e especialista em desenvolvimento, Hausmann argumenta que a tragédia humanitária —na qual convivem a fome crescente e a trajetória de hiperinflação— e o sufocamento das forças dissidentes do chavismo justificariam uma solução à força.
De fato, instituições e procedimentos democráticos vêm sendo destroçados paulatinamente pela ditadura de Maduro.
Em meio a uma selvagem repressão a manifestações de rua, o caudilho ordenou prisões políticas, fraudou eleições, esvaziou os poderes do Parlamento —controlado pela oposição— e cassou partidos.
Nada disso, porém, torna defensável um "Dia D para a Venezuela", título original de artigo de Hausmann cujo conteúdo foi reproduzido por esta Folhana quarta (3).
No texto, o economista defende que o Parlamento venezuelano destitua Maduro e indique um novo governo, que solicitaria apoio militar internacional para se consolidar no poder.
Tal ação teria o inevitável envolvimento do Brasil, país de maior peso geopolítico na América do Sul, e da máquina bélica americana, ora sob o comando do destemperado Donald Trump.
Do ponto de vista brasileiro, enviar tropas para a nação vizinha significaria rasgar os princípios de não intervenção em assuntos internos e de coordenação com organismos multilaterais, alicerces da política externa.
De sua parte, os Estados Unidos dificilmente se aventurariam em mais uma tentativa de impor mudanças de governo à força, dados os custosos e nefastos resultados da deposição do ditador Saddam Hussein no Iraque, em 2003.
Além disso, criariam um conflito em potencial com China e Rússia, os principais apoiadores de Maduro no cenário internacional.
Casos como os da Coreia do Norte e da Síria mostram que há limites para a intromissão estrangeira, mesmo em ditaduras que provocam desastres humanitários e ameaçam a paz mundial.
Ameaças externas, ademais, acabam servindo para reforçar a pregação nacionalista, costumeiro recurso de regimes autoritários para justificar mais repressão e acúmulo de poder.
Diante do colapso venezuelano, a comunidade internacional deveria concentrar esforços em assegurar uma eleição presidencial competitiva neste ano, além de pressionar o regime a aceitar ajuda humanitária, em especial na forma de comida e medicamentos.
Infelizmente, não resta muito mais de proveitoso a fazer.
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