O acordo alcançado com investidores que moveram ações coletivas contra a Petrobras na Justiça americana, que levará ao desembolso de US$ 2,95 bilhões (R$ 9,6 bilhões) é um dos derradeiros capítulos de uma história lamentável para o país e trágica para a companhia. Com ele, a Petrobras obteve a redução de danos financeiros e a remoção de um obstáculo importante para o desenvolvimento de seus negócios. O pagamento da maior quantia em um acordo dessa natureza por uma empresa estrangeira, e a quinta maior de todas já ocorridas nos EUA, só faz sentido se a expectativa mais provável é a derrota. Um julgamento por juri popular poderia piorar punições e seus termos financeiros. Dadas a dimensão da roubalheira, que passou tranquila pelos controles internos, há poucas dúvidas de que a Petrobras teria mais a perder indo até o fim.
Segundo comunicado da Petrobras, o acordo "não constitui reconhecimento de culpa ou de prática de atos irregulares", o que o torna quase incompreensível para leigos - o caso de um inocente que paga US$ 2,95 bilhões para não ser considerado culpado. Primeiro, uma confissão de culpa formal aniquilaria a empresa com uma sequência de ações adicionais de milhares de investidores. O pagamento com base em acordo é um reconhecimento implícito de que houve prejuízos aos investidores que detinham ADRs e bônus da companhia pela ocultação de bilhões de dólares, que foram subtraídos durante anos sem deixar vestígios em seus disclosures, pelos quais seus principais executivos eram responsáveis.
Como alguns executivos foram presos, outros condenados e outros ainda estão sendo processados, e a direção da empresa foi inteiramente mudada, o gesto para arquivar um passado condenável teve de ser firmado em dinheiro graúdo. A Justiça americana protege séria e prioritariamente o investidor, dando consistência à base regulatória do mercado de capital mais pujante do mundo.
Exatamente porque os EUA têm essa tradição é que a colocação de ações ou recibos de ações no mercado americano é considerada como um avanço objetivo na governança das empresas brasileiras, que, com isso, terão sob escrutínio severo suas práticas contábeis e ações de mercado. Durante anos, as consultorias que prestaram serviço à Petrobras e a direção da empresa produziram dados que não refletiam a realidade por baixo das barbas de reguladores que se orgulham de ser vigilantes e severos. Não foi à toa que o montante pago pelo acordo foi alto.
A Justiça e os órgãos reguladores dos mercados de capitais americanos são exemplos a seguir no caso de proteção de direitos dos acionistas. Ao aceitar isso e pagar um preço, a Petrobras resolveu um problema e criou outro - a indenização dos investidores domésticos. Há ações no Brasil sobre o mesmo assunto e uma arbitragem em andamento, movida pela Associação dos Investidores Minoritários, que também buscará na Justiça um acordo semelhante ao feito pela Petrobras nos EUA. Não deveria haver distinção de natureza nem de grau no tratamento dos investidores, mas, ao deixar os investidores brasileiros de fora, é como se houvesse. A diferença está no grau de proteção legal das respectivas jurisdições.
A legislação sobre ações coletivas no Brasil é mais restritiva que a americana. Aqui elas só podem ser movidas por iniciativa do Ministério Público ou de uma associação civil cujos membros tenham se sentido prejudicados por empresas no mercado.
Se os efeitos do acordo nos EUA fossem estendidos na mesma proporção aos investidores domésticos, que detém 31,6% do capital (os detentores de ADR têm 23,4%) a empresa teria de desembolsar o equivalente a US$ 3,98 bilhões. Se o acionista majoritário também tivesse direito a essa espécie de indenização, receberia US$ 5,67 bilhões e os investidores que usaram o FGTS para comprar ações da companhia, R$ 151 milhões.
Não cabe à Petrobras consertar a legislação brasileira, uma tarefa que compete aos órgãos reguladores, como a Comissão de Valores Mobiliários e à Justiça. Na disputa com a empresa, os minoritários abriram um caminho no qual a Justiça poderá criar um precedente, se eles forem vitoriosos. Por caminhos inesperados, pode surgir um avanço institucional.
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