- Valor Econômico
O STF não deve ser casa de heróis, talvez de anti-heróis
A maior dificuldade à vista para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não é conseguir um habeas corpus para evitar a prisão, mas o deferimento do registro de sua candidatura. A defesa de Lula aos poucos descobre vias jurídicas para mantê-lo em liberdade ou tirá-lo da cadeia, caso ele venha a ser preso por uma ordem do Tribunal Federal de Recursos (TRF) da 4ª Região, após o julgamento dos recursos da defesa de Lula naquela instância (os tais embargos de declaração). Mais difícil será encontrar em Brasília algum juiz indiferente à opinião pública disposto a conceder-lhe uma superlicença para disputar a eleição presidencial de outubro.
A via mais fácil para Lula evitar a prisão seria o Supremo Tribunal Federal (STF) rever a decisão pela qual condenados em segunda instância do Judiciário podem começar a cumprir imediatamente a pena. Decisão para a qual muito contribuiu a impunidade do ex-senador Luiz Estevão, condenado a 31 anos, em 2006, mas que até 2016 ainda usufruia da liberdade, depois de recorrer pelo menos 36 vezes a instâncias judiciais. Luiz Estevão, por sinal se entregou logo depois da decisão e passou a cumprir pena na Penitenciária da Papuda, famosa depois de abrigar políticos condenados no escândalo do mensalão.
Para o Supremo rever esta decisão é necessário que a presidente do tribunal, ministra Cármen Lúcia, coloque a discussão em pauta. Ainda assim não é fava contada a mudança de posição do STF, muito embora alguns ministros tenham manifestado a intenção de mudar de voto. Caso específico de Gilmar Mendes, cuja opinião sobre o assunto tem evoluído ao longo do tempo. Em 2011, ele preferia apostar em medidas tomadas à época para esvaziar as cadeias. Depois, votou a favor do encarceramento após decisão da segunda instância. A decisão do tribunal foi tomada por 6 x 5. Ou seja, se Gilmar muda de lado, pode mudar a jurisprudência do STF.
Só não é certeza porque outros ministros podem mudar de posição. A ministra Rosa Weber também tem manifestado dúvidas sobre o voto que proferiu no Supremo no último julgamento. Ao contrário de Gilmar, Rosa defendeu que a prisão somente possa ocorrer com o trânsito em julgado, depois que todas as instâncias possíveis de recursos estejam esgotadas. Neste caso, a mudança de Gilmar não criaria um fato novo. Existe a expectativa de o ministro Alexandre de Moraes votar a favor da execução da sentença só após o pronunciamento da 3ª instância, ou seja, o Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Nada disso importará, se a ministra Cármen Lúcia não pautar a discussão. Se dependesse só da "ministra" Cármen Lúcia, o assunto não voltaria a julgamento. Ela entende que o Supremo já tratou três vezes da questão, em curto espaço de tempo, e não tem porque discutir de novo a prisão após a condenação em segunda instância. Cármen Lúcia, aliás, foi quem desempatou a votação dos 6 X 5. Está é a posição da "ministra". Já a posição da presidente do Supremo está sob pressão colegiado, tanto dos ministros que votaram favoráveis à prisão imediata, como dos que foram contrários e têm concedido liminares contrariando a decisão da maioria. Impasse. E o árbitro é Cármen.
A mudança na jurisprudência que permitiu a prisão de réus condenados em segunda instância foi decisiva para a Operação Lava-Jato, tanto quanto o instituto da delação premiada. A certeza da punição é que levou alguns políticos a quebrarem o pacto de silêncio e revelarem o que escondiam. O caso mais notório é o do ex-senador e ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, que saiu de gravador em punho registrando declarações nada republicanas de gente como o ex-presidente José Sarney dizendo que a delação da Odebrecht seria "uma metralhadora de [calibre] ponto 100", e o presidente do MDB, Romero Jucá, conspirando para "estancar a sangria". Machado só abriu o bico quando percebeu que poderia pegar cana dura.
O Supremo já poderia ter revisto sua decisão, se Cármen Lúcia não estivesse contra. Teria sido talvez mais fácil mudar antes da condenação de Lula pelo TRF-4. Um recuo agora vai enfraquecer investigações em curso, sem dúvida, mas sobretudo o STF não terá como evitar a impressão de que mudou de decisão para ajudar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Certamente será a saída mais fácil para evitar a prisão de Lula, se a decisão for tomada logo na volta do recesso. O PT não tem muitas ilusões a esse respeito, por entender que o Supremo se move de acordo com o clamor da imprensa e que a mídia vai pintar qualquer mudança como proteção ao ex-presidente. Na dúvida, estuda outras saídas jurídicas.
Na política, uma decisão que parece feita sob medida para Lula pode abrir a porteira e tirar o pudor dos partidos para uma nova tentativa de "estancar a sangria" da Lava-Jato. Difícil de engolir, mas também difícil de executar. Principalmente se o Supremo, na sequência, tratar com menos morosidade os inquéritos e processos sob sua guarda de pessoas que detêm o chamado foro privilegiado.
É inconcebível que Lula seja impedido de disputar as eleições de outubro, enquanto Aécio Neves (PSDB-MG), Renan Calheiros (PMDB-AL) e Romero Jucá (PMDB-RR), para citar apenas alguns notáveis, estiverem livres para ter seus nomes nas urnas. Não por alguma norma legal que impede o julgamento de cada um deles - caso de Michel Temer, que não pode ser processado por fatos ocorridos fora do mandato de presidente -, mas pela demora do STF para julgar a turma do foro especial. Há processos com mais de dez anos de Casa.
O STF não é uma Casa para fazer heróis. Pode talvez ser uma Casa para fazer anti-heróis. O ex-ministro Delfim Netto, conhecido por suas tiradas bem humoradas e cheias de ironia, costuma dizer que a "opinião pública não quer Justiça, quer vingança". E o papel do Supremo como o do Judiciário de um modo geral é fazer a Justiça. Os holofotes não são bons conselheiros. Uma semana após o julgamento do TRF-4 é menor a aposta na prisão de Lula e maior no preço que deve pagar: não disputar a eleição.
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