Era mesmo imperioso decretar a intervenção na área de segurança, historicamente problemática, com infiltrações visíveis do crime organizado
Não há uma solução instantânea para a crise, parte de um problema que é nacional. A intervenção é um meio para reverter a debacle
A intervenção federal na segurança fluminense foi forçada pelo quadro criado a partir da crise financeira do estado, com a perda de comando sobre as polícias e o esvaziamento do poder do governador Luiz Fernando Pezão, também atingido por estilhaços da explosão do seu grupo político, envolvido em corrupção, parte dele encarcerada, a começar pelo chefe, Sérgio Cabral.
As ocorrências no carnaval foram o ápice neste processo, e era mesmo imperioso decretar a intervenção na área de segurança do estado, historicamente problemática, com infiltrações visíveis do crime organizado. O caso do batalhão da PM de São Gonçalo, vizinho a Niterói, associado a traficantes da área, é emblemático. Policiais recebiam propina para não reprimir a venda de drogas em favelas do município. PMs chegavam a trabalhar em bocas de fumo, além de emprestar armas para os bandidos.
Neste sentido, portanto, a crise financeira veio apenas agravar o que já acontecia. O aprofundamento da degradação do aparelho de segurança ao menos dá a chance de, com esta intervenção, ser preparado o terreno para a regeneração do aparato policial.
O ministro da Defesa, Raul Jungmann, tivera conversas reservadas no âmbito estadual sobre uma “intervenção branca” na Secretaria de Segurança. Uma forma de o Executivo federal assumir a área, sem a necessidade de, como estabelece a Constituição, suspender-se a tramitação no Congresso da reforma da Previdência. Mas o governador Pezão precisaria pedir esta ajuda.
Não o fez, e só agora aquiesceu, e a uma intervenção formal, diante do avanço do crime, com tiroteios constantes em comunidades e fora delas, fazendo vítimas inocentes, várias crianças entre elas.
A situação de descontrole observada nas ruas terminou deixando em segundo plano a questão da reforma previdenciária, embora ela possa ser votada, numa suspensão momentânea do decreto de intervenção apenas para isso, como mencionou o próprio presidente Temer no pronunciamento que fez na solenidade de assinatura do decreto.
Na verdade, a degradação da segurança no estado não aconteceu de uma hora para outra. Os números vinham se deteriorando pelo menos desde 2015, quando à inoperância administrativa das autoridades de segurança se somou a grave crise financeira que tomou conta do Rio, formando um cenário propício para o aumento da criminalidade.
Segundo o Instituto de Segurança Pública (ISP), em 2015 foram registrados em todo o estado 4.200 homicídios dolosos (com intenção de matar), do que resultou uma taxa de 25,4 assassinatos por cem mil habitantes. No ano seguinte, já eram 5.042 (aumento de 20%), com taxa de 30,3. Em 2017, quando praticamente todos os indicadores de violência explodiram, o número pulou para 5.332, significando crescimento de 5,8% em relação ao ano anterior.
Essa escalada aconteceu também em outros tipos de crimes. Ainda de acordo com o ISP, os roubos de veículos passaram de 41.696, em 2016, para 54.367, em 2017, um aumento de 30,4%; os roubos de celulares, de 19.549 para 24.387, um crescimento de 24,7% no mesmo período; os roubos em coletivo, de 13.731 para 15.283, uma elevação de 11,3%; os roubos a caixas eletrônicos, de 51 para 60, um aumento de 17,6%, e os sequestros relâmpago, de 69 para 99, uma disparada de 43,5%.
Os números oficiais refletem a agonia vivida diariamente pelos cariocas nas ruas. Nos últimos meses, casos chocantes se sucederam, sem que as autoridades de segurança dessem respostas convincentes para essas tragédias. No dia 30 de junho do ano passado, a gestante Claudineia dos Santos Melo foi atingida por uma bala perdida na Favela do Lixão, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Durante um mês, o bebê Arthur, ferido gravemente dentro da barriga da mãe, lutou pela vida no Hospital Adão Pereira Nunes, mas morreu no dia 30 de julho, comovendo a cidade. Apesar do ineditismo do fato e da comoção que causou, nada mudou na segurança pública do Rio. E outros casos semelhantes não demorariam para acontecer.
Nos dias 31 de janeiro e 1º de fevereiro, a Linha Amarela, uma das principais vias expressas do Rio, foi totalmente fechada por causa de tiroteios. Cenas de mães com crianças correndo para se proteger de tiros, motoristas desnorteados dando marcha a ré em seus veículos e policiais empunhando armas pesadas em meio aos carros foram postadas nas redes sociais e correram mundo, golpeando ainda mais a imagem do Rio às vésperas da maior festa popular da cidade. No dia 6, um novo tiroteio interditou, de uma só vez, a Avenida Brasil e as linhas Vermelha e Amarela, impondo mais uma dolorosa rotina aos cariocas.
No carnaval, quando a cidade estava abarrotada de turistas, e mais de 6 milhões de foliões saíram às ruas, o desfile a que se assistiu infelizmente foi o da barbárie. Arrastões tomaram a orla de Ipanema; cariocas e visitantes foram assaltados e, em alguns casos, covardemente agredidos, diante de uma polícia incapaz de impor algum respeito à criminalidade. O próprio governador Pezão admitiu que houve falhas no planejamento da segurança para o carnaval. Ora, como é possível não se preparar para um evento que acontece todos os anos? No fundo, não deixa de ser um retrato do descontrole por que passa a segurança fluminense.
Na intervenção — a primeira realizada sob a Constituição de 88 —, o comandante militar do Leste, general Braga Netto, tem a vantagem de já ter atuado em ações articuladas no Rio, de curto prazo, destacando-se o trabalho de segurança na Olimpíada de 2016. Conduziu, também, uma operação semelhante no Espírito Santo. Com os poderes de interventor, terá oportunidade de remover gargalos que impedem uma efetiva coordenação entre as Forças Armadas e as polícias fluminenses. Em ações tópicas anteriores, houve até sabotagem na área de informações para desacreditar as forças federais.
Não há uma solução instantânea para a crise de segurança no Rio, parte de um problema que é nacional. Portanto, a intervenção em si é apenas um meio para conter e reverter a debacle. E restaurar o estado de direito, o que é fundamental. Serão necessárias ações efetivas na cidade, no estado e nas fronteiras, numa intensidade ainda não vista. A intervenção irá até 31 de dezembro. Mas talvez seja pouco.
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