- O Globo
A disputa que está em processo dentro do Supremo Tribunal Federal terá mais um capítulo na próxima semana quando o plenário analisará o habeas corpus ao deputado Paulo Maluf. Esse caso tem importância crucial no desenrolar dos acontecimentos em curso porque discute dois pontos que podem interferir em outras ações.
O primeiro é a possibilidade de um ministro do Supremo desautorizar uma decisão de outro ministro, o que é proibido por uma súmula e nunca havia acontecido antes. Foi o que fez o ministro Dias Toffoli ao receber um recurso da defesa do deputado paulista e conceder o habeas corpus que havia sido negado monocraticamente pelo ministro Edson Fachin. Como se trata de matéria controvertida, o próprio Toffoli pediu que o caso fosse levado ao plenário. Ele alega que tomou essa decisão pelo estado de saúde do preso, que se deteriorava a cada dia. Uma gesto humanitário, justifica.
O plenário vai ter que decidir se esta prática passará a ser corrente no Supremo, ou se foi um caso especial que não dá margem a outros. Ou mesmo se Maluf deve voltar para a cadeia. Esta anomalia já está produzindo frutos, pois vários advogados já entraram com ações no STF pedindo para que a decisão de Fachin de negar o habeas corpus a Lula seja revista por outro ministro.
Não parece ter sentido neste caso, pois o habeas corpus de Lula foi negado pelo plenário, e já não é uma decisão monocrática do relator da Lava-Jato. Mas se ficar assentado que um ministro pode desautorizar outro, a guerra aberta estará declarada entre os componentes do STF.
A ação de Maluf tem outro ponto importantíssimo. É que o recurso da defesa de Maluf foi feito com base num embargo infringente, pois o deputado teve na Turma que o condenou um voto favorável. O ministro Fachin disse que não são cabíveis embargos infringentes nas Turmas e vetou a pretensão, ao contrário de Toffoli, que, sempre alegando razões humanitárias, aceitou o recurso. Se essa novidade for chancelada pelo plenário do Supremo, teremos nas Turmas julgamento embargos infringentes, embargos de declaração, embargos dos embargos, todos os instrumentos usados para procrastinar o resultado final de um julgamento.
Não há uma explicação formal para a não previsão dos embargos nas Turmas no regimento interno do Supremo. O caso foi discutido no julgamento do mensalão, quando o presidente do Supremo na época, Joaquim Barbosa, defendeu que os embargos infringentes deixaram de existir nas ações originárias dos tribunais superiores depois da edição da Lei 8.038/90, que regulamentou os processos naqueles tribunais de acordo com a Constituição de 1988, sem prevê-los.
Quem vai ter uma decisão difícil será o ministro Luís Roberto Barroso, que, no julgamento do mensalão, foi a favor dos embargos infringentes e acabou ajudando a rever as penas de réus importantes, como José Dirceu, que escapou do crime de quadrilha. Ele havia dito, na sabatina do Congresso, que em teoria os embargos não existiam mais, mas, ao tratar do caso concreto, os aceitou. Na decisão de agora, terá que assumir uma posição sobre o mesmo assunto com repercussão no trâmite dos processos, que ele luta para serem objetivos e não darem margem à procrastinação das penas. O STJ, que foi criado depois da Constituição de 1988, não prevê esses embargos.
Esses são os desdobramentos do choque de visões dentro do Supremo Tribunal Federal, já tratado aqui na coluna nos últimos dias. O que está havendo é uma disputa, de um lado filosófica sobre o que é o Estado de Direito, a defesa dos direitos individuais, um grupo, que hoje é minoritário, considera que a operação Lava-Jato, os procuradores de Curitiba e o juiz Moro estão se excedendo com as prisões provisórias alongadas, obrigando os presos a fazerem delação premiada; e alegam que está sendo decretado o fim do habeas corpus, um instrumento básico da democracia. E do outro lado, o grupo hoje majoritário acha que a Justiça tem que ter efetividade, que a manutenção do status quo vai fazer com que continue a impunidade a pessoas que tenham poder político, prestígio social ou dinheiro para pagar bons advogados.
A luta pela prisão em segunda instância pode também ter um desdobramento esta semana dependendo da decisão do ministro Marco Aurélio de encaminhar ou não à votação a liminar rejeitada pelo Partido Ecológico Nacional (PEN) para exame de uma ação que propõe que cessem as prisões em segunda instância até que sejam votadas as ações que tentam acabar com a possibilidade dessa prática.
É exemplar dessa disputa, que em uma visão mais crua opõe os que querem a manutenção do status quo àqueles que querem dar mais efetividade às decisões da Justiça, o grupo minoritário querer acabar com ela, voltando ao trânsito em julgado, e agora incluindo os embargos infringentes no julgamento das Turmas, dando uma margem de recursos imensa e que quase sempre favorece a prescrição da pena.
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