- Valor Econômico
"Lucro" do BC no 1º semestre substituirá os R$ 100 bi do BNDES
A greve dos caminhoneiros e a forte alta do dólar nos últimos meses, que tanto transtornos causaram à população e à economia, vão ajudar este e o próximo governo a fechar as contas e a cumprir as regras fiscais. É quase certo, por exemplo, que a atual equipe econômica não precisará mais da devolução de R$ 100 bilhões dos empréstimos feitos pelo Tesouro ao BNDES para cumprir a chamada "regra de ouro" neste ano. Além disso, a equipe do próximo presidente poderá cortar menos nas despesas para cumprir o teto de gastos.
O BNDES já devolveu R$ 30 bilhões ao Tesouro neste ano e a previsão é de que uma parcela de mais R$ 100 bilhões será transferida em setembro. O governo conta com essa operação para cumprir a "regra de ouro" em 2018. Isso não será mais necessário, de acordo com fontes credenciadas da área econômica, porque o lucro do Banco Central no primeiro semestre, principalmente com as operações de câmbio, ficará muito acima de R$ 100 bilhões. Até o dia 15 passado, estava em R$ 146,2 bilhões. Ainda falta computar, no entanto, o resultado das operações de câmbio e o resultado operacional do BC nos últimos 15 dias de junho, que poderão alterar o valor. Só depois, o governo saberá qual o montante do lucro da autoridade monetária será transferido ao Tesouro. A transferência desses recursos ocorrerá 10 dias depois da aprovação do balanço do primeiro semestre do BC, ou seja, provavelmente em setembro.
O lucro do BC não foi considerado no cálculo feito pelo Tesouro para o cumprimento da "regra de ouro" neste ano. Na última estimativa divulgada, no fim de maio, a insuficiência de recursos foi estimada em R$ 181,9 bilhões. Para cobrir esse "buraco", o governo contava com os R$ 100 bilhões do BNDES, com R$ 27 bilhões do Fundo Soberano (FSB), R$ 16 bilhões do Fundo Nacional de Desenvolvimento (FND), com o cancelamento de R$ 20 bilhões de restos a pagar e R$ 18,9 bilhões de outras fontes. Este cálculo será inteiramente alterado, quando o Tesouro considerar o dinheiro que vai receber do BC.
Como não será necessário usar os R$ 100 bilhões do BNDES, os recursos poderão ficar para cumprir a "regra de ouro" de 2019, ajudando, assim, o próximo governo a obedecer o dispositivo constitucional, que proíbe que o montante das operações de crédito superem as despesas de capital (investimentos). Outra decisão já tomada pelo atual governo é deixar para o próximo ano a receita a ser obtida com o leilão do excedente de petróleo dos campos do pré-sal da cessão onerosa feita com a Petrobras. Estima-se que essa receita poderá ficar em torno de R$ 100 bilhões. Os recursos serão utilizados para cumprir a "regra de ouro", pois eles não poderão ser usados para aumentar os gastos, que estão limitados ao teto.
A parte mais expressiva do "lucro" do Banco Central até o dia 15 de junho (R$ 127,3 bilhões do total de R$ 146,2 bilhões) decorreu das operações de câmbio, principalmente da valorização das reservas internacionais. Como elas são contabilizadas em reais, toda vez que a moeda brasileira se desvaloriza frente ao dólar, o aumento é considerado como "lucro". Ao fim de cada semestre, esse "lucro", que é meramente contábil, pois o BC não vendeu um dólar sequer das reservas, é transferido para o Tesouro. Com esse dinheiro em caixa, o Tesouro emite menos títulos para pagar suas despesas.
O consultor Antônio D'Ávila Júnior, da Consultoria de Orçamento da Câmara, fez, recentemente, um levantamento que mostra que os governos dos ex-presidentes Lula, em 2009, e Dilma Rousseff, em 2015, só cumpriram a "regra de ouro" com a ajuda da transferência dos ganhos cambiais do BC para o Tesouro. Em 2016, o mesmo artifício foi usado pelo governo Michel Temer. Agora, será usado neste ano. Para D'Ávila, a transferência do "lucro" com operações cambiais é uma forma de financiamento do Tesouro pelo BC e deveria ser proibida. Há um projeto de lei tramitando na Câmara, com esse objetivo, já foi aprovado pelo Senado.
O setor público brasileiro vive uma situação surrealista. A piora do quadro econômico, com dólar e inflação em alta, melhora a situação fiscal, por incrível que isso possa parecer. É como se o governo estivesse "hedgeado", para utilizar um jargão do mercado financeiro. A legislação atual que regula as regras fiscais é que permite o "hedge" (uma proteção).
A emenda constitucional 95, que criou o teto de gastos para a União, estabelece que a despesa de um determinado ano não poderá ultrapassar o limite estabelecido para o ano anterior, corrigido pela inflação de julho a junho. Assim, quanto maior a inflação do período, maior a margem para o gasto e mais fácil será para o governo, qualquer que seja ele, se manter dentro do limite.
A greve dos caminhoneiros e a subida do dólar provocaram uma reversão da inflação. Os especialistas do mercado financeiro e os próprios técnicos do governo estimam que o efeito conjunto do câmbio e da greve deverá resultar em uma elevação da inflação em cerca de um ponto percentual. Parte do aumento já ocorreu em maio, pois o IPCA do mês passado terminou bem acima da previsão que era feita pelo mercado antes da greve e da alta do dólar.
Se a inflação de julho de 2017 a junho deste ano tivesse ficado em torno de 3% - o que era a expectativa do mercado antes da greve e da alta do dólar - o teto de gastos do governo para 2019 iria aumentar cerca de R$ 40 bilhões em relação ao limite deste ano (3% de R$ 1,347 trilhão, que é o limite da despesa em 2018). Como a inflação do período poderá ficar em torno de 4%, de acordo com previsões do mercado financeiro e de técnicos do próprio governo, a margem para o gasto poderá aumentar cerca de R$ 54 bilhões (4% de R$ 1,347 trilhão). Ou seja, a margem para a despesa vai aumentar R$ 14 bilhões por causa da inflação maior, o que ajudará a gestão das contas públicas pelo próximo governo.
Esta questão é extremamente relevante, explicou uma autoridade, porque a estimativa do governo é de que as despesas obrigatórias deverão aumentar cerca de R$ 70 bilhões no próximo ano. Se a margem de expansão do gasto em 2019 tivesse ficado em R$ 40 bilhões, o corte das chamadas despesas discricionárias (aquelas que o governo pode contingenciar) teria que ser de R$ 30 bilhões (R$ 70 bilhões menos R$ 40 bilhões) para que o teto fosse cumprido.
O corte poderia inviabilizar a administração federal porque as despesas discricionárias (custeio e investimentos) para este ano estão em R$ 125 bilhões, o mesmo nível de 2009. Com a ajuda da inflação, o corte nas despesas discricionárias será de R$ 15 bilhões, mais fácil de ser realizado.
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