A 2.ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou improcedente ação penal contra a senadora Gleisi Hoffmann, o ex-ministro Paulo Bernardo e o empresário Ernesto Kluger. Os ministros da 2.ª Turma entenderam que a Procuradoria-Geral da República (PGR) não apresentou no processo provas que corroborassem a acusação de que os três réus teriam solicitado e recebido R$ 1 milhão desviado da Petrobrás para a campanha ao Senado, em 2010, da atual presidente do PT. No processo havia apenas delações, sem outros elementos de prova a corroborar as informações provenientes das colaborações premiadas.
“Observa-se que toda argumentação (da PGR) tem como fio condutor o depoimento de delatores. Relatos não encontram respaldo em elementos de corroboração”, disse o ministro Dias Toffoli. Até mesmo os documentos que a PGR apresentou no processo, que supostamente corroborariam as delações, tinham sido produzidos pelos delatores, como uma anotação na agenda de Paulo Roberto Costa, que, segundo a promotoria, fazia referência ao valor repassado ao ex-ministro Paulo Bernardo.
A decisão do STF de absolver a senadora Gleisi Hoffmann por falta de provas deve servir de alerta para o Ministério Público. Essa repartição pública presta um desserviço ao País ao apresentar denúncias com base apenas em delações, que, por sua própria natureza, são parciais. O delator, como se sabe, obtém benefícios ao relatar à Justiça aquelas informações.
No processo contra a senadora petista, há ainda outro aspecto preocupante. Ao longo de toda a ação penal a PGR não trouxe nenhum elemento probatório além do que já estava na denúncia, ou seja, as informações oriundas de delatores. Tem-se, assim, um trabalho duplamente mal feito: além de apresentar uma acusação fraca, só com delações, a PGR depois nada acrescenta para provar suas acusações, como se o seu trabalho se encerrasse com a denúncia. Não foi feito trabalho de investigação que prestasse para os fins pretendidos.
Esse modo de proceder da PGR tem graves implicações. Pessoas inocentes podem ser acusadas injustamente, apenas com base em relatos de delatores. Neste caso, a atuação descuidada do Estado contribuiria para destruir a honra dessas pessoas, pois, como se sabe, uma absolvição num processo penal nunca restabelece fama idêntica a que o réu tinha antes de ser denunciado e levado aos tribunais com a pecha de corrupção. Por mais eloquente que seja a sentença absolutória, sempre pairará sobre a biografia do réu a sombra desabonadora.
A instrução probatória, inepta, que se limita a apresentar relatos de delatores, também contribui para a impunidade. Como ocorreu na ação penal contra a senadora Gleisi Hoffmann, a Justiça não diz que não houve crime – apenas que não houve provas suficientes para condenar. É possível, portanto, que, tivesse a PGR mais diligência, o resultado de muitos casos penais fosse diferente, com a condenação de quem agiu criminosamente. Isso denigre tanto o réu como o acusador.
As delações podem ser um início para o trabalho de investigação criminal. Mas para que sejam de fato úteis, elas não podem ser também a conclusão de investigação. Nenhuma colaboração premiada tem o condão de proporcionar um juízo definitivo sobre um crime. A lei processual estabelece que ninguém deve ser condenado só com base em delações. Por isso, é dever da Polícia Federal e do Ministério Público não se limitar a reunir material trazido por delatores.
Têm sido muitos os casos de delações que surgem com grande estardalhaço, destroem a honra das pessoas citadas, mas depois as autoridades não conseguem confirmar as informações que divulgaram, em geral, açodadamente. O resultado de inquéritos abertos a partir dessas colaborações é o arquivamento. Recentemente, por exemplo, foi arquivado um inquérito eleitoral envolvendo o ex-ministro Aloizio Mercadante, que tinha como base uma delação do empreiteiro Ricardo Pessoa. Segundo o promotor Luiz Henrique Cardoso Dal Poz, responsável pelo caso, “os informes de Pessoa, além das referidas divergências e imprecisões de temas nucleares, não foram confirmados por outras circunstâncias”.
Urge um mínimo de cuidado com as delações. A Justiça não pode se tornar o valhacouto de dedos-duros.
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