quinta-feira, 21 de junho de 2018

Trump coloca o mundo mais perto da guerra comercial: Editorial | Valor Econômico

Uma disputa comercial entre as duas maiores potências econômicas, Estados Unidos e China, em que cada uma impõe tarifas sobre vendas de US$ 50 bilhões da outra, teria poucas consequências, não fosse o contexto tóxico em que ela ocorre. A política de Donald Trump de confrontar primeiro, e negociar depois, teve o resultado mais que previsto de isolar os EUA, e, talvez no futuro, uni-los contra si.

Trump quer substituir a ordem comercial global por sua vontade e, se não falasse a sério, seria recebido com gargalhadas. Mas o ambiente em que ele surgiu e se move tornou-se ameaçador. Trump se elegeu sob o ressentimento justificado de que os benefícios da globalização, colhidos em primeiro lugar por EUA e China, não chegaram ao americano comum que, se não foi deslocado de seu emprego, viu sua renda se estagnar nas últimas três décadas. O isolacionismo de Trump tem base de apoio real que ele usa para atender seus interesses próprios. Enquanto defendia os operários do Meio Oeste, obteve aprovação do Congresso para um pacote fiscal que dará a maior parte de suas benesses para os mais ricos.

Trump vem tentando demolir as instituições que os EUA construíram após a Segunda Guerra para moldar e dar passagem a sua hegemonia. O mundo mudou, os EUA estão perdendo a hegemonia e Trump não quer brincar de multilateralismo. O sinistro da história é que os argumentos para que ele desfira esses ataques simplesmente não importam. Todos os acordos feitos pelos EUA antes dele chegar à Casa Branca são "os piores já feitos". E se os argumentos são ruins, as maneiras são as piores ainda, como ficou claro na mais recente reunião do G-7, quando, primeiro, Trump ameaçou não ir, depois chegou assobiando e perguntou porque a Rússia não estava lá e por último atacou o anfitrião, o primeiro ministro Justin Trudeau.

Erra quem não leva Trump a sério. Levantar barreiras contra aço e alumínio importados sob o lema da ameaça à segurança nacional é um acinte, mas Trump taxou assim mesmo países da União Europeia, Japão e seus parceiros do Nafta, México e Canadá.

Da mesma forma, agora cismou que automóveis podem ser protegidos da mesma maneira, e com os mesmos pretextos. E por último ameaça abrir uma guerra comercial séria com a China, misturando razões justificadas - as maneiras nada sutis com que a China se apodera de tecnologia americana e de outros países - com objetivos colonialistas - impedir que os chineses deem um salto tecnológico. No primeiro caso, teria obtido grande apoio para uma ação conjunta na Organização Mundial do Comércio de todos os países que têm contenciosos a respeito com a China. No segundo, só receberá críticas e condenações.

Um dos efeitos nefastos da maneira Trump de tratar o mundo é que ela não deixa outra saída a suas vítimas a não ser reagir na mesma moeda, pelo menos no caso de países desenvolvidos. A China jamais abrirá mão de seu programa Made in China 2025, embora tenha feito acenos de abrir o mercado do país para bens americanos como parte das negociações para evitar barreiras tarifárias. Trump enviou seu bando de guerreiros comerciais à China e eles retornaram compreensivelmente sem nada nas mãos.

Assim, os EUA impuseram barreiras sobre US$ 50 bilhões em mercadorias, mas não desejam que a China faça o mesmo. Se fizer, então serão mais US$ 200 bilhões na mira, com a chance já admitida de taxar o total das vendas chinesas ao país, cerca de US$ 540 bilhões. Os mercados de commodities, sentiram o golpe anteontem, junto com as bolsas. Espalha-se a sensação de que algo está fora de controle e de que nem Trump nem Xi Jinping recuarão de suas posições, o que é péssima notícia para a economia mundial.

A inflação finalmente encostou na meta do Fed nos EUA e não será surpresa se os juros subirem mais do que o previsto se uma guerra comercial sair de fato do papel, o que não é certo. Os preços do aço e do alumínio dispararam no mercado doméstico, como efeito lógico das medidas de Trump, que agora quer barrar boa parte dos bens exportados pelo produtor mais barato do mundo, a China. Wilbur Ross, que não chama a atenção pela argúcia, saiu-se ontem com acusações de que especuladores estão elevando o preço do aço, e pediu para que investiguem o "comportamento anti-social de pessoas na indústria". Os preços vão subir se o protecionismo de Trump se mantiver com as rédeas soltas. Nenhuma das nações mais poderosas do mundo se alinha com essa política e resta esperar a hora de que finalmente se unam contra ela.

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