- Valor Econômico
Cenário externo adverso exige resposta fiscal dura
A piora do cenário internacional torna ainda mais urgente a adoção de medidas duras para equilibrar as contas públicas. A tolerância em relação aos déficit fiscais elevados e à dívida em trajetória de alta explosiva já diminuiu, como se vê na forte desvalorização do real neste ano, apesar de o Brasil ter contas externas sólidas e um volume muito expressivo de reservas internacionais.
As incertezas quanto ao compromisso do próximo presidente com o ajuste fiscal têm cobrado seu preço. O aumento do risco país, o câmbio mais fraco e os juros de longo prazo mais altos levam à deterioração das condições financeiras, afetando as já pouco animadoras perspectivas de crescimento. É crucial que o novo governo tenha uma estratégia clara de melhora do resultado primário (que exclui os gastos com juros) nos próximos anos, concentrada especialmente no controle de gastos, combatendo a rigidez orçamentária. A gravidade da situação, contudo, pode exigir também algum aumento de impostos, para estancar mais rápido a tendência de alta da dívida pública.
O quadro externo para os países emergentes piorou consideravelmente em 2018, dado o aumento dos juros americanos de longo prazo e a tendência de valorização do dólar. Em setembro de 2017, a taxa dos títulos de dez anos do Tesouro americano estava pouco acima de 2% ao ano; hoje, está em 2,9%, e deve seguir em alta - os economistas do Goldman Sachs, por exemplo, projetam 3,25% no fim deste ano e 3,6% no fim do ano que vem. As moedas emergentes apanham nesse ambiente. Para completar, o presidente Donald Trump tem apostado numa escalada de medidas protecionistas, levando a China e a União Europeia (UE) a ameaçarem os EUA com retaliações.
Em resumo, o cenário global tornou-se bem menos favorável do que no ano passado. Com maior aversão ao risco, os países emergentes ficam menos atraentes para o capital estrangeiro.
O Brasil tem como trunfos um déficit em conta corrente pequeno, de 0,7% do PIB nos 12 meses até maio, e reservas internacionais superiores a US$ 380 bilhões. Isso ajuda a proteger a economia de maiores solavancos, mas não blinda totalmente o país num momento em que o cenário internacional está mais adverso, como fica claro na expressiva desvalorização do real. O ponto é que as contas públicas continuam extremamente frágeis. Um dos principais indicadores de solvência de um país, a dívida bruta passou de pouco mais de 51% do PIB no fim de 2013 para 75,9% do PIB em abril deste ano. É um número muito acima da média dos emergentes, de pouco mais de 50% do PIB, de acordo com números do Fundo Monetário Internacional (FMI).
Essa situação fiscal fica ainda mais preocupante porque não está claro se o próximo presidente terá o combate ao desequilíbrio das contas públicas como prioridade - ou, mesmo se tiver, se será capaz de implementar as duras medidas que são necessárias para deter a trajetória de aumento da dívida.
A providência mais importante é atacar o problema pelo lado das despesas, contendo o crescimento dos gastos obrigatórios. A estratégia de segurar os dispêndios discricionários (aqueles sobre os quais o governo têm maior controle) se esgotou. No Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV), a economista Silvia Matos diz que todo o ajuste nas despesas recorrentes da União é feito no item "demais despesas", que reúne investimentos, subsídios e gastos com a máquina pública, sem incluir pessoal.
No acumulado em 12 meses, esse grupo de gastos passou de 5,7% do PIB no fim de 2014 para 4,5% em fevereiro deste ano. "No entanto, não é possível manter esse ritmo de redução nessa rubrica", diz Silvia, observando que, nos 12 meses até abril, ela já havia subido para 4,9% do PIB. Segundo Silvia, isso mostra "que o espaço para cortes de gastos nesses itens é muito restrito e já chegou ao seu limite".
Do fim de 2014 para cá, as despesas com pessoal passaram de 3,8% para 4,4% do PIB, enquanto o grupo "transferências de renda" pulou de 8,8% para 10,7% do PIB. Nessa rubrica, estão incluídos os benefícios previdenciários e assistenciais, o abono salarial, o seguro-desemprego e o Bolsa Família.
Para segurar os gastos daqui para frente, será necessário deter a expansão de despesas como aposentadorias e funcionalismo. Isso requer uma reforma da Previdência dura e o controle dos gastos com salários dos funcionários públicos, entre outras medidas impopulares. Reunir condições políticas para adotar o receituário que diminua a rigidez orçamentária será um grande desafio. Será preciso dobrar a resistência das corporações e convencer a classe política e a população da importância de medidas vistas como amargas.
Tornar o Orçamento mais flexível é fundamental para ajustar estruturalmente as contas públicas e também para melhorar a eficiência dos gastos. Relatório da Moody's Investors Service mostra que as despesas obrigatórias correspondem a absurdos 93% dos dispêndios totais do governo federal.
O grau de urgência da situação fiscal pode requerer algum aumento de impostos, para que o setor público consiga gerar um resultado primário melhor num prazo mais curto. A solução evidentemente não é a ideal, enfrentando grande resistência da população, mas pode ser necessária, dada a dificuldade para fazer o ajuste apenas por meio do corte de gastos.
Equilibrar as contas públicas também é essencial para que os juros se mantenham em níveis baixos nos próximos anos. Juros estruturalmente menores ajudarão a melhorar as perspectivas de crescimento do país, assim como a adoção de medidas para melhorar a produtividade da economia.
Crescer a um ritmo mais forte de modo sustentado facilita o ajuste fiscal, ao melhorar a arrecadação. Mas, na complicada situação do Brasil, o crescimento mais robusto só virá quando o cenário para as contas públicas estiver menos nebuloso.
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