Contra vontade do ministro, Segunda Turma do Supremo liberta José Dirceu; para juristas, Corte vive momento inédito de divisão e sofre com crescente mal-estar
Marianna Holanda e Gilberto Amendola | O Estado de S. Paulo.
O ministro Edson Fachin, relator da Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), sofreu três derrotas ontem que tornaram ainda mais explícito seu isolamento na 2.ª Turma da Corte. Na principal decisão do dia, a 2.ª Turma concedeu, por 3 votos a 1, habeas corpus ao ex-ministro petista José Dirceu, condenado e preso após decisão de segunda instância. O relator também ficou vencido em outros três casos relativos à Lava Jato e seus desdobramentos: o ex-assessor do PP João Cláudio Genu e o lobista Milton Lyra foram soltos, e buscas no imóvel funcional da senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) foram anuladas. Em outra decisão contrária a Fachin, uma ação contra o deputado estadual paulista Fernando Capez (PSDB) no caso da máfia das merendas foi trancada. Com a sessão de ontem, Fachin acumula 17 reveses em 34 votações cruciais da Lava Jato na Turma, formada por Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Fachin. O levantamento do Estado foi publicado ontem. Em sua maioria, esses ministros têm perfil crítico aos métodos de investigação da operação. As decisões de ontem também deixaram mais evidente o grau de acirramento e divisão entre os 11 integrantes do Supremo. Para juristas, a Corte vive um constante embate, que deve ter reflexo na mudança de comando. Em setembro, Dias Toffoli substituirá Cármen Lúcia na presidência.
As decisões de ontem da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) mostram um aprofundamento das divisões na Corte e um crescente mal-estar entre os ministros, na avaliação de professores de Direito ouvidos pelo Estado. Segundo eles, esse desconforto gerado pelos embates na Corte pode ter reflexo após a mudança de comando do Supremo. Em setembro, a ministra Cármen Lúcia deixa a presidência para Dias Toffoli assumir.
“É inegável que existe um acirramento. Entendo que essas decisões traduzem um malestar, não da divergência conceitual, que é natural, mas de encaminhamentos que possivelmente causem algum ruído entre os ministros”, disse o diretor da Faculdade de Direito da USP, Floriano de Azevedo Marques. Um desses encaminhamentos, segundo o professor, seria a decisão do ministro Edson Fachin na semana passada de tirar da pauta o pedido de liberdade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso e condenado na Lava Jato.
“Talvez tenha sido uma reação legítima do desconforto de alguns ministros com a decisão que lhes tirou a autonomia pra decidir. O grande conflito hoje está na variação de regras. E isso só vai aumentando nessa sensação de que o Supremo é uma corte em pé de guerra”, disse Marques.
Para o diretor da instituição, o embate só poderia ser resolvido com uma liderança do presidente da Corte, a quem caberia pacificar os procedimentos para reduzir a insegurança jurídica. “Talvez o Toffoli assumindo a presidência, tenha um pouco mais diálogo”, arrisca.
As apostas sobre a gestão do próximo presidente da Corte começam altas. Para o professor do Instituto de Direito Público (IDP), Daniel Falcão, quando assumir, é possível que Toffoli paute temas diferentes de Cármen Lúcia. Falcão acredita que a sessão de ontem “reacendeu” o debate sobre prisão após segunda instância. “Não vai haver consenso, resta saber se haverá mudança de posição. Toffoli, que votou contra a prisão após segunda instância e a favor da soltura de Dirceu, assumirá a Corte em setembro e pode pautar o mérito”, afirma.
Na avaliação de Eduardo Martines Jr., professor da PUC-SP, embates e diferentes decisões deixam o Supremo mais exposto aos olhos da sociedade. “Acaba passando a mensagem que protegem mais um ou outro”. As divergências, defende, são “do jogo”. O problema é quando há discordâncias entre entendimentos já pacificados na Corte. A prisão após segunda instância, que passou pelo plenário do Supremo, teve um entendimento diferente na Segunda Turma.
“Você vai ver isso no Tribunal de Justiça, em todo lugar, o problema é que se espera uma maior perenidade das decisões do Supremo, que é o que melhor representa o Judiciário, é a suprema Corte”, disse.
É justamente essa falta de perenidade que traz desgaste à imagem dos ministros, segundo o professor da FGV Gustavo Badaró. “O Supremo tem sido o responsável por se colocar na berlinda. Ele próprio vacila em suas decisões”, afirma. Badaró avalia ainda que a ida da atual presidente, Cármen Lúcia, para o lugar de Toffoli na Segunda Turma poderia inverter o placar no colegiado e “tornar a vida dos investigados mais difícil”.
Colaborou Ricardo Galhardo /
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