A política tem dimensões longas e curtas. De um ponto de vista longo, a política que defende transformações para o país pensa na chave analítica e propositiva de um Polo Democrático e Reformista que recentemente foi apresentado e estabelece suas balizas de maneira clara no rumo da defesa da democracia e da realização de uma ampla reforma do Estado. De um ponto de vista mais curto, estamos adentrando aos momentos decisivos da campanha eleitoral que em outubro decidirá quem vai ser o novo presidente e qual será a configuração do novo Congresso e das Assembleias estaduais.
Esse pequeno texto visa incidir, de forma breve, ao acontecimento que, encerrando a semana, orienta os movimentos da disputa presidencial dos principais candidatos que até agora se apresentam à disputa. Trata-se de considerar alguns pontos sobre o apoio do chamado Centrão ao candidato Geraldo Alckmin (PSDB).
1. Em primeiro lugar, me parece importante anotar que se trata de uma decisão defensiva desse grupo. Ele esperava ter candidato próprio, o que não vingou. Não aceitou ou não cedeu, nem mesmo ao candidato do governo por vê-lo sem nenhuma chance. Aos trancos e barrancos, como não poderia deixar de ser, tentou negociar com Ciro. Abriu-se uma série de dúvidas e predominou a confusão e a divisão. Por fim, decidiu por apoiar Alckmin porque vê nele a possibilidade de vencer as eleições e poder influenciar num futuro governo, mesmo sabendo de que isso não será fácil. No frigir dos ovos, o chamado Centrão fez uma opção defensiva, quase entrando na prorrogação do tempo normal da partida.
2. Esse Centrão não é igual àquele da Constituinte. Esse Centrão poderia aderir à extrema-direita e apoiar Bolsonaro, mas conhece as tradições da politica brasileira e vislumbrou o desastre que poderia ser uma posição como essa. Mas é preciso anotar também: esse Centrão é outra coisa: sabe fazer o jogo do poder, sabe se manter vivo e não perder espaço. É uma direita que emergiu com a democracia e na democracia. Sim, na democracia existem direitas políticas nos países mais avançados; faz parte da sua legitimidade. Portanto, esse Centrão não é a direita bolsonarista e vir para junto de Alckmin significa aprofundar o isolamento da extrema direita, o que é altamente positivo para a democracia. Uma operação como essa mostra que essa é uma direita que veio para ficar, mesmo que hoje se apresente de forma difusa, inclinada à corrupção (que o PT albergou de forma integral) e em busca de um discurso próprio que hoje se coloca mais entre os outsiders liberais.
3. Para as forças democráticas, que se encontram divididas e buscavam uma alternativa competitiva em termos quantitativos e estruturais, neutralizar parte da direita e trazê-la para o campo da democracia e das reformas, isolando-a especialmente da extrema direita, é um ganho eleitoral e político notável. Esse movimento não está completo e espero que isso se efetive nos próximos dias. Atuar estabelecendo seus princípios e horizontes, se fixar neles, sem ver o cenário, os outros atores e não influenciar nos seus movimentos é um erro crasso em política.
4. Geraldo Alckmin é pré-candidato do PSDB e já contava com o apoio de alguns partidos. Poderá ampliar esse apoio ainda mais com o Centrão. Alckmin sempre foi acusado de “jogar parado”, mas isso não é inteiramente certo. Seus movimentos nem sempre são detectados pelos radares mais atentos. O fato é que, ao que tudo indica, o Centrão é que foi a Alckmin e não o inverso, como dissemos acima. Por outro lado, Alckmin é um político tradicional no contexto da democratização brasileira. É um político de centro, um democrata-cristão ao velho estilo, como foi Franco Montoro (não estou dizendo que ambos têm políticas públicas idênticas, pois os tempos são outros). Alckmin tem experiência política e administrativa suficiente para montar um governo de grande coalizão, refazendo a frente que se formou e se conectou com as ruas no processo do impeachment de Dilma Rousseff. Tem tudo para retomar a ligação entre governo, democracia, esperança e mudança. Não tem nada a ceder ao Centrão que o próprio Centrão já não saiba e não tem nada a mudar no programa já alinhavado pela sua campanha. Em termos políticos, o Centrão optou por Alckmin, não o contrário.
5. A esquerda democrática ganhou algum protagonismo recentemente com o lançamento do Manifesto Por um Bloco Democrático e Reformista. Seus apoiadores, que vão além da esquerda democrática, devem, a meu juízo, dar sustentação a essa ampliação do apoio eleitoral à candidatura Alckmin e trabalhar como uma verdadeira vertente de centro-esquerda nessa grande coalizão. Devem estar atentos para o fato de que sem essa grande coalizão as possibilidades de vitória são remotas. Alckmin pode ser efetivamente um candidato desse Bloco, mas não será certamente o candidato apenas desse Bloco. Como todos sabemos, o campo democrático no Brasil, é bom que se diga, vai além da candidatura Alckmin, mas será um equívoco enorme imaginar que, inclusive com essa ampliação vinda do Centrão, a candidatura Alckmin perde a legitimidade de fazer parte do campo democrático. Penso justamente o contrário.
6. Por fim, caso essa grande coalizão vença, ela deverá fazer um governo democrático, dentro do que foi e do que será possível construir na atual conjuntura brasileira e mundial. Governos democráticos existem com diversos perfis de alianças políticas ao redor do mundo e nas grandes democracias. Alckmin tem de deixar claro isso no seu programa mínimo e ele sabe precisamente quem o está apoiando. Não há nenhuma razão para Alckmin entrar na velha política do toma-lá-dá-cá. A boa noticia é que o Centrão sabe quem é Alckmin e tanto ele quanto nós também sabemos porque o Centrão vacilou até agora em definir seu apoio. Mas essa história apenas começou.
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*Professor titular de História da Unesp/Franca
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