- Folha de S. Paulo
Contrapor-se a um candidato tão antimulher como Bolsonaro é uma boa forma de Marina marcar sua estratégia de campanha
Já com o debate de sexta-feira se aproximando do fim, Jair Bolsonaro viu Marina Silva vindo correndo lá do fundo do estúdio. Leu a cola na sua mão: "Pesquisa Arma Lula".
No que levantou de novo a cabeça, não teve tempo de soletrar "Ustra" antes que a ambientalista lhe aplicasse os dois pés no peito e o levasse a nocaute. Flutuando fora do próprio corpo, ainda assistiu à candidata da Rede Sustentabilidade dançar a dança da vitória sobre sua carcaça inerte.
Após recuperar os sentidos, Bolsonaro ainda pensou em recorrer ao Conselho de Direitos Humanos da ONU para que interrompesse o ground and pound, mas ficou com medo de que acabassem soltando o Lula no meio da confusão.
Ao fim do debate, parecia o irmão gago do Cabo Daciolo.
No dia seguinte, Bolsonaro precisou dar uma explicação ao seu público. Mostrando que é de fato um pré-sal de testosterona, fez o que qualquer legionário, qualquer cangaceiro, qualquer Conan, qualquer Viking faria: reclamou que Marina andava ameaçadoramente em sua direção enquanto perguntava.
Não foi só o tom de Marina. Ela de fato descobriu uma avenida na defesa de Bolsonaro. Há um vídeo do candidato do PSL no programa SuperPop, da RedeTV!, em que Bolsonaro diz que não contrataria uma mulher pagando o mesmo salário de um homem.
As mulheres são 52% do eleitorado.
Bolsonaro pode colocar Janaina Paschoal na campanha, pode colocar o Mourão ou o Olavo de vestido e peruca: esse vídeo em que defende que 52% do eleitorado ganhe menos que os outros 48% vai assombrá-lo até o final.
Não foi por acaso que Marina escolheu Bolsonaro como alvo.
Em primeiro lugar, Marina é a única mulher com chances na corrida presidencial deste ano. Contrapor-se a um candidato tão antimulher como Bolsonaro é uma boa forma de marcar sua diferença diante de um público que constitui a maioria dos eleitores indecisos.
Mas Marina também tem todo o interesse em polarizar a eleição com Bolsonaro por outro motivo. Novas pesquisas devem sair hoje ou amanhã, mas até a semana passada o quadro era claro: Marina Silva seria a nova presidente do Brasil, pois iria para o segundo turno e venceria Bolsonaro.
O que ameaça Marina é a expectativa de que PT e PSDB devem crescer ao longo da campanha e polarizar novamente a eleição. Mesmo se a estratégia do PT não funcionar, Ciro Gomes está mais bem posicionado para brigar pelo voto esquerdista. O ideal para Marina é que a eleição seja sobre Bolsonaro e sobre quem o venceria no segundo turno.
Porque Marina é uma excelente candidata para segundo turno. Quem odeia Marina Silva? Você não conta, Jair, você começou a odiar anteontem.
A esquerda poderia reclamar, mas no fim das contas o voto lulista iria para Marina. Os tucanos teriam grandes problemas em apoiar Marina, preservar sua reputação democrática, e impedir que Bolsonaro reorganizasse a direita sob sua liderança? Não.
Marina Silva não tem estrutura de campanha nenhuma. Ainda mais do que Bolsonaro, muito mais do que Ciro, só tem chance de vencer se a eleição for realmente atípica, se as máquinas políticas não contarem para nada, se não estar enrolado na Lava Jato for um critério decisivo na decisão do eleitor.
Mas enquanto a eleição for sobre Bolsonaro, enquanto ainda puder crescer nessa briga, Marina está no jogo.
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Celso Rocha de Barros, servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).
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