- Folha de S. Paulo
Apoiadores de Bolsonaro não são democratas liberais e não vão proteger coisa alguma
Cientistas políticos discordam quanto ao risco que a eleição de Bolsonaro traz para a democracia no Brasil. Para alguns, como eu, o risco é positivo. Para outros, o risco é zero. Quando cientistas discordam, as evidências são soberanas. Então vejamos.
Comecemos por: "risco de quê". Se for de quebra brusca da democracia —com um golpe que cancele as eleições, feche o Congresso e suspenda direitos—, o risco é, provavelmente, zero. Tanto a experiência internacional quanto a história brasileira mostram isso.
Primeiro, em democracias que sobreviveram por 21 anos ou mais, a probabilidade de golpe é efetivamente zero. Além disso, golpes caíram em desuso, sendo cada vez mais raros. Por último, a história mostra que mesmo em condições domésticas e internacionais mais favoráveis ao autoritarismo —como em 1964— o fechamento completo do sistema político brasileiro foi difícil.
Se delimitarmos melhor o objeto e considerarmos o risco de erosão democrática é ainda assim o risco zero? Não. O risco é positivo. Erosão democrática, isto é, a deterioração gradativa e limitada de algumas dimensões da democracia, é hoje a forma mais comum de degeneração das democracias. Ela ocorreu frequentemente em contextos semelhantes ao Brasil, nos quais a combinação de crises econômicas e políticas abriram as portas para outsiders de natureza autoritária, como Fujimori e Chávez.
O Brasil de hoje não é, contudo, a Venezuela ou o Peru do começo dos anos 1990. Aqui, dizem, a democracia será protegida por robustas instituições democráticas de controle que limitam o Executivo, e por atitudes republicanas e democráticas dos eleitores.
Enquanto é inegável que as instituições brasileiras são comparativamente robustas, elas claramente não são capazes de proteger a democracia.
Como prova basta saber que sob tais instituições a democracia erodiu nos últimos dois anos. Dos 111 indicadores de democracia coletados pelo projeto V-Dem, o qual oferece os mais avançados dados sobre as democracias mundiais, 27 (24%) estão significativamente piores no Brasil hoje do que estavam ao final de 2015.
Além disso, o argumento de que teria havido uma mudança qualitativa nas atitudes do eleitorado brasileiro, o qual se tornou muito mais intolerante à corrupção e à degeneração democrática, empalidece diante de uma montanha de dados. Nara Pavão e Ezequiel Gonzalez-Ocantos mostram, primeiro, que não houve mudança qualitativa alguma. O eleitor brasileiro é hoje tão (in)tolerante à corrupção como era antes da explosão de escândalos e manifestações que assolaram o Brasil.
Ainda assim, assumamos que tal mudança ocorreu. Está claro que os eleitores que rejeitam a corrupção mais fortemente são os que levam Bolsonaro à Presidência. Seriam eles capazes de controlar sua criatura? De novo, as pesquisas mostram que não.
Quando a polarização é intensa, mesmo eleitores que condenam comportamentos antidemocráticos tendem a relevar as derrapadas de seu político predileto.
Além disso, por mais anticorrupção e pró-controle que eles sejam, os compromissos democráticos desses eleitores são limitados. Ou alguém acha que os eleitores de Bolsonaro vão abandoná-lo quando ele atacar a oposição, ou der carta branca para execuções extrajudiciais? Não vão, pois, como mostram David Samuels e Cesar Zucco, a principal clivagem separando o petismo do antipetismo é o autoritarismo.
Antipetistas são sistematicamente mais autoritários que petistas e que eleitores que não nutrem partidarismo negativo em relação ao PT. Bolsonaristas não são democratas liberais e não vão proteger coisa alguma.
Quem vai, então, parar Bolsonaro?
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