- Folha de S. Paulo
Com orientação ideológica, Bolsonaro compromete autonomia e eficácia das instituições
Jair Bolsonaro se elegeu prometendo acabar com o "viés ideológico" nas escolas e na política externa. Mas, até agora, tudo o que fez foi imprimir uma orientação ideológica ainda mais marcante, comprometendo a autonomia e a eficácia das instituições.
No discurso da vitória, Bolsonaro celebrou o compromisso de libertar "o Brasil e o Itamaraty das relações internacionais com viés ideológico".
Uma das suas primeiras ações foi o anúncio, pelo Twitter, de que o Brasil transferiria sua embaixada de Tel Aviv, capital comercial de Israel, para Jerusalém, a capital política reivindicada tanto por israelenses como por palestinos.
Até recentemente, havia consenso na comunidade internacional de que as representações diplomáticas deveriam ficar em Tel Aviv, deixando o controverso status de Jerusalém ser decidido em negociações de paz.
Entre os países grandes, apenas os Estados Unidos de Donald Trumptransferiram a embaixada para Jerusalém, num gesto que a comunidade internacional condenou por ser belicoso e desequilibrado.
Ao tomar o partido de Israel, Bolsonaro imprimiu forte sentido político a uma orientação anterior que era mais prudente e mais equilibrada.
A resposta veio rápida, com ameaça de boicote pelos países árabes que são o segundo mercado de exportação de alimentos produzidos no Brasil.
Justamente por ser mais e não menos ideológica, a política externa de Bolsonaro colocou em risco os interesses comerciais brasileiros.
Vemos o mesmo acontecer com as declarações de Bolsonaro sobre aEscola sem Partido, campanha da direita conservadora que quer eliminar uma suposta doutrinação marxista que ocorreria nas escolas.
Embora, à primeira vista, se apresente com a missão republicana de impedir o proselitismo em sala de aula, a campanha persegue apenas o que acredita ser doutrinação marxista dos professores, ignorando, quando não acolhendo, o proselitismo religioso nas aulas de filosofia ou as apologias ao livre mercado nas aulas de história ou sociologia.
Com uma sensibilidade seletiva, marcada por forte orientação conservadora, o projeto contribui apenas para a redução da diversidade das correntes teóricas e pedagógicas oferecidas nas escolas. Além disso, cria um clima de perseguição e disputa que degrada o ambiente pedagógico. O resultado são relações conflagradas e um ensino menos plural.
Nos dois casos, vemos um fanatismo delirante que caça obsessivamente o "viés ideológico", apenas para respondê-lo com uma postura política ainda mais forte, comprometendo as instituições e o interesse público.
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Pablo Ortellado, professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia
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