Apesar de o 2.º turno da eleição presidencial ter sido realizado há mais de duas semanas, em clima de absoluta normalidade democrática, em muitas universidades a polarização ideológica e partidária continua crescendo de modo preocupante, a ponto de denúncias, acusações, ameaças de agressão física e afrontas morais a professores e estudantes estarem comprometendo o convívio acadêmico.
Como mostrou o Estado em reportagem da jornalista Renata Cafardo, o clima de radicalização na vida universitária se disseminou em todo o País. Em algumas instituições, circulam listas com nomes de professores acusados de ser fascistas ou comunistas e de expressar “opiniões preconceituosas”. No Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Pernambuco, um docente não conseguiu entrar em sala de aula e teve de ser escoltado até em casa pela guarda universitária. Em universidades do Sudeste, estudantes têm fotografado a lousa em aulas das quais discordam da orientação dos professores e divulgado o conteúdo nas redes sociais. Na USP, a reitoria precisou acionar a polícia para impedir confrontos em algumas faculdades logo após o término do 2.º turno.
Antes das eleições, os embates entre grupos de direita e de esquerda foram agravados por decisões dos Tribunais de Justiça Eleitoral de alguns Estados, cujos juízes proibiram debates e a colocação de faixas contra e a favor dos dois candidatos que disputaram o segundo turno, Fernando Haddad (PT) e Jair Bolsonaro (PSL). Depois do pleito, o acirramento político foi estimulado pelas discussões sobre a votação do projeto conhecido como Escola sem Partido. O projeto, que proíbe o uso dos termos gênero ou orientação sexual nas atividades acadêmicas e veda aos professores a manifestação de suas preferências ideológicas, religiosas e morais, tem sofrido críticas de diretores de faculdades e reitores de universidades públicas.
Segundo eles, a sala de aula sempre foi, por princípio, um espaço para divergências doutrinárias e troca de ideias a partir de perspectivas teóricas. Universidades dignas do nome são as que toleram o dissenso e a pluralidade de visões de mundo – condições necessárias, ainda que não suficientes, para a reflexão e alargamento das fronteiras do conhecimento. “Não é possível consolidar as bases de um ambiente acadêmico sem garantia do livre debate, que assegure a todos o direito de assumir e externar livremente suas convicções”, afirma o reitor da Unicamp, Marcelo Knobel. “Os problemas da sociedade repercutirem na universidade é uma coisa natural. Escola sem Partido não entra na USP”, diz o reitor Vahan Agopyan. “É preciso entender que não existe um bloco homogêneo de esquerda ou de direita na Universidade. Isso é estigma. Dependendo da área há uma tendência, mas ela muda conforme o contexto histórico”, lembra o professor Flávio Campos, do curso de História da USP.
De fato, desde que foi criada no século 12, em Bolonha, a Universidade espelha o ambiente social, econômico, político e cultural em que está situada. Contudo, por mais que seja um espaço de reflexão e debate, à direita e à esquerda sempre há extremistas que, invariavelmente, exorbitam ao acusar de fascista ou de comunista aqueles com os quais não concordam. Em vez de expor argumentos e críticas e debater de modo franco e honesto, eles recorrem ao proselitismo, a falácias e a dogmas e optam por desprezar e desqualificar os interlocutores – estratégias autoritárias que, na prática, dificultam o desenvolvimento do pensamento, embotam a criatividade intelectual e abrem caminho para a censura e para controles ideológicos no ambiente acadêmico.
São esses extremistas que, infelizmente, estão tumultuando nossas universidades. Mas não terão êxito, como disse à reportagem do Estado o professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP Brasílio Sallum. “Há temores de que coisas arbitrárias possam vir. Mas acho difícil, pois as estruturas estão muito consolidadas na universidade”, afirmou. No que tem toda razão.
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