Ao contrário de outros candidatos ao Executivo que se elegeram com uma campanha forte contra o establishment político, como Emmanuel Macron na França e López Obrador, no México, Jair Bolsonaro não terá maioria no Congresso. O PSL terá a segunda maior bancada em uma Câmara com 30 partidos e necessitará de apoio de uma dúzia deles se quiser aprovar uma agenda supostamente radical, cuja feição definitiva não está pronta. O apoio terá de ser conseguido ao longo do caminho, o que exigirá sabedoria e flexibilidade políticas, em uma empreitada que já reprovou gente mais experiente que Bolsonaro.
A composição do ministério, ainda que com desenho e arranjos rudimentares, privilegiou a escolha pessoal do presidente eleito e algumas indicações das bancadas temáticas do Congresso, com os quais o ex-deputado tem afinidades: a dos ruralistas, da segurança pública e dos evangélicos. Pode-se não gostar dos nomes, mas Bolsonaro até agora cumpriu a promessa de não fazer "toma lá, dá cá" na estreia, ainda que isso provavelmente vá ocorrer nas indicações para o segundo escalão. Há enorme distância, entretanto, entre esse processo de seleção e o que o presidente eleito lançará mão em suas relações com o Congresso.
Bolsonaro terá de lidar com a realidade inescapável - entender-se com os partidos, se quiser governar em uma democracia. Seu cacife eleitoral inicial é alto e explica em parte o silêncio das legendas a respeito da distribuição do bolo ministerial, em geral um copo cheio de mágoas. Mas o Legislativo se move com regras próprias e, especialmente depois que o bloco do centrão tornou-se essencial para formação de maioria, os partidos que o compõe traçam um caminho pelo qual as propostas do Executivo terão necessariamente de passar. Essa estrada começa nas mesas das duas Casas.
Tendo assistido à lenta agonia de Dilma Rousseff, Bolsonaro, em princípio, não quer andar apressado em terreno pantanoso. Por enquanto, sua diretriz é não cobiçar para o um PSL cheio de novatos a Presidência de nenhuma das Casas. A influência que pode exercer é maior na Câmara do que no Senado, onde ainda reina o PMDB e, entre eles, o amigo, e depois inimigo, de todos os governos, Renan Calheiros (AL).
A escolha de 7 militares para o primeiro escalão, integrantes de um pelotão de 15 ministros que nunca tiveram cargos eletivos, deixou um vácuo ao excluir os partidos, que o centrão tentará preencher, talvez sob a alegação da "independência" do Legislativo. Por enquanto, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que apoiou o tucano Geraldo Alckmin na eleição, é o favorito para presidir a Câmara, e tem simpatia prévia por Bolsonaro, que colocou três membros do partido no Executivo.
Como nada está assegurado, Maia afinou-se com o centrão para repartir os postos mais importantes da Casa, o que inclui as comissões que determinam prioridades e formatos dos projetos que ali chegam. Nem Maia nem o centrão têm, a princípio, discordâncias importantes ou aversões explícitas aos pontos que são conhecidos do programa de Bolsonaro. Ao contrário, preparam-se para compor a base de apoio ao novo governo, desde que sejam dadas aos políticos as contrapartidas que eles esperam: poder e cargos. Sabem que Bolsonaro terá de bater nas portas de suas casas, onde jamais existiu almoço grátis.
Os desafios da coordenação política são normalmente grandes em um parlamento com três dezenas de partidos. Com a expectativa de grandes mudanças que Bolsonaro levantou em sua campanha, as relações com o Legislativo terão de ser mais que produtivas, sob risco de desgaste prematuro e constante.
Nuvens negras se formaram muito cedo em torno de Onyx Lorenzoni, encarregado da coordenação política. Em seu encalço, há suspeitas levantadas pela Lava-Jato, que podem ser menos letais que a disputa de poder que, ao que parece, se espalha no círculo mais próximo de Bolsonaro. A Casa Civil começou a ser desidratada por generais da reserva e pela Secretaria Geral de Gustavo Bebianno. Lorenzoni, além disso, catalisa a insatisfação advinda do afastamento dos partidos na escolha de cargos e da blindagem de forças políticas e lobbies que tentam ter peso nas decisões do presidente - além da indisposição do clã familiar em lidar com intermediários.
Tudo o que Jair Bolsonaro não precisa em sua estreia na Presidência é de um coordenador político fraco, sob intenso fogo amigo. Pelas ambições de campanha e de sua agenda conservadora, necessita de experientes articuladores parlamentares à altura da missão, que terão de surgir - ou não.
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