- Folha de S. Paulo
Presidente eleito e sua seita de esquisitos podem quebrar o setor
Ainda que todos os diagnósticos de Jair Bolsonaro sobre meio ambiente e terras indígenas estivessem corretos, cumpriria perguntar: "As terapias que propõe são eficazes?". Note-se: nem dá para saber se ele acerta ao apontar os problemas porque é impossível obter desse arauto de uma nova era um enunciado compreensível, com sujeito, verbo (sem a vírgula no meio), complementos e seus adjuntos. Com alguma frequência, ele se aborrece com a gente e larga o raciocínio pelo caminho.
Outra pergunta: os programas ambientais em curso no país e as metas estabelecidas de redução de emissão de carbono, por exemplo, concorrem para diminuir a produção agropecuária? Os empresários de alta performance do setor respondem com todas as três letras: "Não!".
Na verdade, dizem eles, o fato de o Brasil ter passado a gozar de boa reputação na área e de ser visto, em alguns casos, como referência no respeito ao meio ambiente contribui para abrir as portas do mercado mundial.
Mas vem coisa ruim por aí. A Folha informou na quarta que as ONGs que acompanham a Conferência do Clima na Polônia (COP-24) já transformaram o Brasil em um de seus alvos. Irrelevante? Gritaria inútil? Elas que se danem? Não há certeza absoluta de que os desequilíbrios climáticos e a elevação da temperatura do planeta se devam a fatores antropogênicos? Digamos que tudo isso seja verdade. E daí?
Tenho conversado com muita gente ligada ao agronegócio. Não me refiro a madeireiros disfarçados de produtores rurais. Nenhuma das brigas retóricas que Bolsonaro comprou até agora seria favorável ao setor se seus vitupérios virassem políticas públicas.
Vamos lá. Quanto dos 13% do território brasileiro ocupados por reservas indígenas teria viabilidade econômica para a produção de alimento? "Muito pouco", asseguram. As exceções não justificam a difamação internacional a que o país ficaria exposto diante da suspeita de que comunidades tradicionais estariam sendo submetidas à força a processos de aculturação.
Não! Os produtores não estão nem aí para a gritaria das ONGs e das esquerdas. Eles temem seus concorrentes mundo afora. O Brasil é hoje uma potência agropecuária justamente por se submeter a leis ambientais restritivas e disciplinadoras que forçaram um salto de qualidade e de produtividade.
A hostilidade ao Acordo de Paris, por exemplo, beira o surrealismo. Boa parte dos signatários não vai cumprir as metas acordadas. Já não está cumprindo, conforme atesta a COP-24. Mas ninguém saiu por aí fazendo mira contra o dito-cujo.
E vai acontecer o quê? Nada. Haverá algo parecido com escusas, novas promessas, e a vida segue. Como? Bolsonaro é um homem muito sincero e não aceita esse teatro hipócrita das relações internacionais? Então que vá brincar de soldadinho de chumbo e de Forte Apache!
Acusar o Acordo de Paris, como faz o presidente eleito, de ser expressão de uma tramoia para internacionalizar parte do nosso território por intermédio do tal "Triplo A" —a faixa ecológica que uniria Andes, Amazônia e Atlântico— é de uma estultice que só não choca seu futuro chanceler, Ernesto Araújo, aquele que reza para o "Deus de Trump", o esquisitão que prepara a futura recessão americana, à qual o bolsonarismo quer atrelar o nosso destino. Quem reivindica o tal corredor é uma ONG colombiana e nada tem a ver com o acordo sobre o clima, que, convenham, cria mais dificuldades para a França, como se vê, do que para o Brasil.
Na entrevista coletiva que concedeu na quarta, Bolsonaro fez referência à coluna que escrevi aqui no dia 16 de novembro, em que afirmei que ele "acerta quando recua e erra quando avança". Com gramática solipsista, viu nela coisa "de pessoas 'más-intencionadas' (sic)", que não teriam ainda engolido a sua vitória.
Besteira. O que se tenta evitar é que uma política de décadas de conquista de mercados mundo afora, com resultados formidáveis, seja sacrificada no altar capenga de uma seita de esquisitos, convicta de que estamos exportando soja, milho e carne e importando comunismo, como asseveram velhos e moços gagás.
Parafraseando Antero de Quental, há malucos que precisariam de 50 anos a menos de idade, o que justificaria tamanha tolice, ou de 50 a mais de reflexão.
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