- Folha de S. Paulo
Bolsonaro será o primeiro presidente mais conservador que o Congresso
No quadriênio 2019-22 teremos o primeiro presidente eleito dentro de um novo padrão de relações Executivo-Legislativo no país: um chefe do Executivo mais conservador do que o próprio Congresso.
De Vargas a Dilma, todos os presidentes eleitos democraticamente têm sido mais moderados em relação à preferência ideológica mediana do Congresso.
Celso Furtado foi o primeiro analista a identificar um padrão nas relações Executivo-Legislativo no Brasil. No ensaio “Obstáculos Políticos ao Crescimento Econômico no Brasil”, escrito em 1964 na Universidade Yale, ele identificou um conflito irresolúvel entre o presidente —eleito por um eleitorado urbano— e um Congresso conservador, comprometido com o statu quo.
Instaura-se o conflito porque, “para legitimar-se, o governo tem que operar dentro dos princípios constitucionais. Para corresponder às expectativas da grande maioria que o elegeu, o presidente da República teria que alcançar objetivos que são incompatíveis com as limitações que lhe cria o Congresso dentro das regras do jogo constitucional”.
Furtado enxergava na Constituição de 46 “um poderoso instrumento das oligarquias”, o que enfraquece sua análise.
Mas o aspecto mais instigante de seu argumento é o que via como desenlace inexorável: “a subordinação ao marco constitucional” e a “obediência ao mandato popular entram em conflito criando para o presidente a disjuntiva de trair o seu programa ou forçar uma saída não convencional, que pode ser inclusive a renúncia ou o suicídio”.
Há amplas evidências empíricas sobre a mudança de padrão nas posições relativas de Congresso e presidente.
Em pesquisa recente, Timothy Power e Ricardo Silveira reconstituem as preferências ideológicas a partir de métricas complexas e de uma base de dados com dezenas de milhares de observações. Basicamente eles mostram que o eleitorado brasileiro tornou-se mais conservador. A eleição presidencial radicalizou esse movimento.
Quais serão as implicações do novo padrão? No passado, presidentes que buscavam alterar o statu quo enfrentavam um Congresso hostil. À primeira vista, a mesma estrutura permaneceria de sinal trocado. Mas o jogo se altera dependendo das posições relativas do statu quo, presidente e Congresso.
Bolsonaro é o primeiro presidente eleito reformista conservador. Rejeita a herança da Constituição de 1988 e dos governos petistas e quer reformas.
Não se trata, assim, do mesmo statu quo da época de Furtado. Entre as consequências possíveis do conservadorismo presidencial e congressual é que teremos baixa taxa de conflitualidade nas relações Executivo-Legislativo.
----------------
Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
Nenhum comentário:
Postar um comentário