- Folha de S. Paulo
Ou o presidente vira o conselheiro do ministro da Economia ou a nau afunda
Os tais "mercados", vocês sabem, têm em Paulo Guedes, futuro ministro da Economia, a garantia de que Jair Bolsonaro não vai sair do eixo. É mesmo? Vai aqui uma leitura que contraria o senso comum nesse grupo influente, mas ingênuo em política: espero que Bolsonaro seja a garantia de que Guedes não vá sair do eixo. Se, a partir de 1º de janeiro, o presidente não ministrar uma mistura de Rivotril com Aristóteles a seu contador arrogante, pode esperar crises em cascata. "Impossível o Aristóteles?". Ok. Só o Rivotril já ajuda.
O discurso de Guedes na Firjan (Federação das Indústrias do Rio), na segunda (17), quando prometeu "meter a faca no Sistema S", constituiu um notável espetáculo de truculência. A promessa veio junto com uma ameaça: referindo-se a Eduardo Eugênio Gouveia Vieira, presidente da entidade, que oferecia o almoço, arreganhou os dentes: "Se tivermos interlocutores inteligentes, preparados, que queiram construir, como o Eduardo Eugênio, cortamos 30%; se não tiver, é 50%". Marcos Cintra, da equipe de transição, já anunciou que a intenção é tomar metade dos recursos. Síntese: não haveria, pois, no empresariado, "interlocutores inteligentes". No encontro, o ex-banqueiro não desceu do salto da ironia em momento nenhum. Quando anunciou a facada, ele mesmo fez um "Ohhh", simulando a reação de espanto dos empresários que o ouviam, reduzidos a infantilidade.
O Sistema S é uma espécie de imposto —o correspondente a 2,5% da folha de pagamento—, administrado por entes que representam setores empresariais. Por óbvio, compõe a carga tributária, que recai sobre todos, mas só beneficia a parcela que usufrui dos serviços oferecidos. Ditas as coisas dessa maneira, pergunte-se: por que não fincar a faca até o cabo e extinguir "isso daí"? No manual do perfeito idiota liberal latino-americano, todos sairiam lucrando.
Ocorre que não se conhece a equação tributária de que a "facada" faria parte. A contribuição obrigatória será reduzida a 1,25%, ou o governo quer tomar metade dos 2,5%? O Sistema S é um exemplo de gestão privada eficiente de recursos que, na origem, são, sim, públicos. Transformam-se em escolas eficientes, em teatros, em centros poliesportivos. Tudo o que o Estado não faz. Guedes ainda tentou estabelecer um paralelo entre o dinheiro do Sistema S e o Imposto Sindical, que foi extinto. É mesmo? Onde estão os alunos, os esportistas e os artistas das centrais sindicais?
Segundo informou esta Folha na terça, um corte de 30% de recursos do sistema —e se anuncia que será de 50%— implicaria o fim de 1,1 milhão de vagas em cursos profissionalizantes do Senai, com o fechamento de 162 escolas. O Sesi extinguiria 498 mil vagas no ensino básico e de educação para jovens e adultos. Só o Sesc de São Paulo gastou, em 2017, informa Vinicius Torres Freire, o equivalente a dois terços da despesa do Ministério da Cultura. São apenas 3 das 9 entidades que compõem o Sistema S.
Há algum estudo sobre o impacto de tal decisão? Não! Ainda que o corte fosse a melhor escolha, há de ser de supetão? Ela dispensa, como sugere Guedes, a negociação com o empresariado? Então a medida será imposta com mais rigor ou menos a depender da subserviência do interlocutor?
Guedes foi além na Firjan. Anunciou a disposição de negociar a reforma da Previdência com governadores e prefeitos, que, em troca, seriam beneficiados por uma descentralização de recursos. E ele reproduziu como se daria a conversa: "Vai apoiar a reforma?" Ao que responderia o outro: "Não, eu não vou, não". E então o ministro mandaria ver: "Foi um prazer te conhecer. Vá lá pagar a sua folha. Eu não posso ajudar. Como é que eu posso ajudar alguém que não tá me ajudando? Tenho o maior prazer em ajudar. Toda reforma que tiver, eu quero fazer questão de que o dinheiro vá para estados e municípios. Agora me dá a reforma primeiro".
Em Chicago, o agora superpoderoso matou as aulas do curso "Massinha I de Habilidade Política".
Parece ironia, mas juro que não é: ou o presidente vira o conselheiro do ministro, impondo-lhe a prudência, ou a nau afunda, sob a condução dos insensatos. O gênio da raça precisa modernizar o seu discurso. Ainda está no Chile de Pinochet. E isso implica três décadas de atraso político e... técnico! Torçam para que Bolsonaro consiga modernizar Guedes.
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