- O Estado de S.Paulo
Após a eleição de Jair Bolsonaro, os partidos derrotados já têm consciência de que é preciso entender o que sente a sociedade, mas não têm clareza sobre como resgatar a esperança popular
Não foi apenas o PT que perdeu seu contato com a população. O PSDB cometeu o mesmo erro, com estragos talvez maiores. A rigor, a classe política saiu desestruturada das eleições e agora precisa de realinhamento. Não está claro em que direção e sob qual liderança.
A novidade com a qual os políticos não contavam é o profundo ressentimento das classes médias pelos políticos. Hoje se sentem lesadas por governos alienados, que não entregaram o que prometeram e, mais do que isso, que preferiram fazer o jogo do poder, tomaram as instituições do Estado e desviaram recursos públicos, em grande parte das vezes nem para a “causa”, mas para proveito próprio, como a Operação Lava Jato sobejamente demonstrou.
Esse ressentimento popular não é fenômeno exclusivamente brasileiro. Por toda parte aparece como adesão das classes médias a lideranças comprometidas com propostas autoritárias, populistas, xenófobas, de grande aversão aos imigrantes e, do ponto de vista da política econômica, eivadas de protecionismo.
É o que se viu com a eleição do presidente Trump nos Estados Unidos; com o Brexit; com as seguidas derrotas eleitorais da chanceler Angela Merkel, na Alemanha; com a ascensão de Matteo Salvini, na Itália, e de Recep Erdorgan na Turquia; com a força obtida pela direitista Marine Le Pen, na França; e, ainda, com o fortalecimento dos partidos da direita nacionalista na Áustria, na Hungria e na Polônia.
Aqui no Brasil, o ressentimento começou a aparecer mais fortemente nas manifestações de 2013 e, em seguida, nas furiosas batalhas digitais via WhatsApp que culminaram nas últimas eleições cujos resultados mostraram o repúdio às práticas da política tradicional.
Em seu livro Como as Democracias Morrem, Steven Levitsky e Daniel Ziblatt (Editora Zahar, na edição em português) analisam o caso dos Estados Unidos. E pontuam que, nos últimos anos, o Partido Democrata ignorou o crescente descontentamento e as reivindicações das classes médias. Ateve-se, mais do que deveria, ao atendimento das chamadas políticas de identidade (direitos das minorias) e se esqueceu de lidar com “as preocupações com a subsistência de segmentos há muito negligenciados da população – qualquer que seja sua etnia”. Por isso, foi duramente punido com a derrota da candidata Hillary Clinton nas eleições que conduziram Donald Trump à Casa Branca.
O discurso de campanha do presidente eleito do Brasil, Jair Bolsonaro, inicialmente mostrou forte hostilidade aos pleitos das minorias. Em seguida, foi suplantado pelo silêncio. Depois de eleito, as manifestações do presidente passaram a dar ênfase ao resgate das finanças públicas ao crescimento econômico e à criação de empregos.
Não está claro se terá sucesso na empreitada porque, a partir de tudo o que já se sabe, não há certeza de que consiga fazer uma administração adequada. Tudo se passa como se Bolsonaro não soubesse nem o que fazer nem por onde começar. Diz e desdiz coisas com grande desenvoltura. Um dia afirma que é preciso fundir o Ministério da Agricultura com o do Meio Ambiente; dias depois, retira o que disse. No outro, comunica que vai transferir para outro ministério as funções do Ministério do Trabalho. Depois de desistir da ideia, voltou a nela insistir, mas acabou por decidir pelo que pretendia no início: questões relacionadas com Trabalho vão, afinal, para outros ministérios.
Já avisou que denunciará o Acordo de Paris, mas em seguida pareceu ter recuado. Suas posições a respeito da reforma da Previdência também são desencontradas. E, mais que tudo, será preciso ver até que ponto terá respaldo do Congresso para a aprovação das pautas para as quais afinal se decidirá, num ambiente global que pode não ser exatamente o mais favorável, diante das ameaças de recessão econômica que se cristalizam, principalmente na Europa.
Já há boa consciência nos partidos derrotados no Brasil de que é preciso refundar tudo e que é preciso entender o ressentimento das classes médias claramente expressado nas urnas. Mas não há clareza sobre o que fazer e de que forma resgatar a esperança popular.
O desarmamento dos espíritos e, com ele, o desmanche das ameaças autoritárias no Brasil virão mais ou menos naturalmente se as reformas forem atacadas com energia e se a economia recuperar-se sustentadamente.
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