- Revista Veja
O caso aproxima o Judiciário dos piores momentos do Legislativo
A maneira como o Judiciário lidou com o caso da concessão de auxílio--moradia a seus pares lembra os piores momentos das mais insidiosas transações feitas no âmbito do Legislativo, causa direta do repúdio da população à política em geral, senadores e deputados em particular, e uma das mais fortes motivações para a ascensão de Jair Bolsonaro de coadjuvante no Congresso a protagonista da Presidência da República.
O resultado final aparentemente correto, no qual o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) impõe uma série de restrições à autorização do adicional para ajuda de pagamento de moradia, não passa de uma aparente correção.
São elas: só pode receber auxílio o magistrado transferido de sua comarca de origem para outra localidade onde não tenha imóvel funcional nem próprio, incluindo nisso o cônjuge ou qualquer pessoa com quem divida a casa; o benefício será temporário, concedido mediante comprovação do gasto e restrito ao pagamento de aluguel, excluídas todas as outras despesas.
Mas espere aí, isso tudo podia? Ganhar a graninha (4 377,73 reais) mesmo tendo casa na cidade ou morando com alguém que tivesse? Era para a vida toda, sem comprovante e podendo pagar condomínio, impostos (IPTU, por exemplo) ou qualquer outra coisa sem restrição? Por incrível que pareça, era aceito, a despeito de a Lei Orgânica da Magistratura (Loman) estabelecer que a ajuda de custo seria paga “onde não houver residência oficial à disposição do magistrado”.
Essa mesma lei diz que a regulamentação de seus usos e costumes deveria ocorrer no Congresso. Pois o ministro Luiz Fux, do Supremo, transferiu monocrática e ilegalmente essa prerrogativa para o CNJ, que recentemente se decidiu pela manutenção do benefício a um determinado número de juízes depois da negociação (esquisita) mediante a qual o adicional seria extinto em troca do aumento de 16,38% nos proventos dos magistrados.
Tal decisão caberia ao Legislativo, e não ao CNJ como determinou o ministro Luiz Fux, numa iniciativa muito semelhante às tomadas pelo Congresso em benefício próprio sem levar em conta os fatos legais nem as circunstâncias reais. Foram muitas as vezes em que o Parlamento decidiu no escuro, de costas para a sociedade, apresentando justificativas legais eticamente injustificáveis.
Nos anos 90, discutíamos muito sobre o tema do controle externo do Judiciário. Nesse ambiente surgiu o CNJ, supostamente para dar melhor baliza ao Poder. Enganamo-nos. O conselho não controla o externo, antes privilegia o interno.
O episódio do auxílio-moradia é uma vergonha e, vindo de instâncias judiciais, em tese garantidoras do estado de direito, ameaça-o mais do que meia dúzia de arreganhos de um filhote de presidente, tão ingênuo quanto trabalhado na fantasia de que a democracia possa ser ameaçada por um cabo e um soldado, e a vontade de gente ultrapassada, autoritária, a quem uma sociedade moderna não tem mais paciência para dar ouvidos.
Publicado em VEJA de 26 de dezembro de 2018, edição nº 2614
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