Perdas com protestos de caminhoneiros superam R$ 10 bi em cinco dias
Joana Cunha | Folha de S. Paulo
SÃO PAULO - Os bloqueios de caminhoneiros nas rodovias que paralisaram o escoamento da produção em todo o país já provocaram perdas de ao menos R$ 10,2 bilhões, conforme as primeiras estimativas de diferentes setores.
O número, quase o dobro dos R$ 5 bilhões que o governo usará para cobrir a perda que a Petrobras terá por reduzir o preço do diesel e suspender os reajustes diários, vai crescer quando for possível mensurar os estragos com mais precisão.
O presidente da CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção), José Carlos Martins, estima que 40% das atividades do setor tenham sido atingidas, comprometendo negócios de R$ 2,4 bilhões.
Na indústria de frangos e suínos, o cálculo chega a R$ 1,8 bilhão perdido em cinco dias, diz Ricardo Santin, vice-presidente da ABPA (Associação Brasileira de Proteína Animal).
O valor abrange a previsão de exportações que deixaram de ser feitas e a atividade do mercado interno. "Todo dia estão morrendo pintinhos ou ovos que não nascem. Já morreram mais de 50 milhões de aves."
Com a atividade desregulada, o frango perde a qualidade porque não atinge o peso determinado e não pode ser abatido na época adequada.
Em carnes bovinas, cerca de R$ 620 milhões deixaram de ser embarcados para exportação, segundo Antônio Camardelli, presidente da Abiec (da indústria de carnes).
Nesse caso, são negócios postergados porque os animais não foram abatidos, mas o setor está fazendo o balanço da carne apodrecida.
"A maioria dos frigoríficos está sem abate. Deve ter 3.000 carretas carregadas sem poder desovar no varejo. Vai ter que contabilizar todo esse produto perecível", afirma Camardelli.
A JBS paralisou unidades em cinco estados. Sem receber insumos e animais para o abate, além da falta de caminhões para escoar a produção acabada, a BRF também suspendeu parte das atividades.
A imagem do leite derramado, símbolo dos desperdícios da semana, representa um prejuízo de R$ 1,1 bilhão aos produtores em cinco dias de protestos, valor que soma a receita que deixa de entrar aos custos de produção, nos cálculos da CNA (confederação da agropecuária). Segundo a entidade, cerca de 95 milhões de litros de leite são produzidos diariamente no país e estão sendo descartados.
Mais R$ 1 bilhão deixou de ser faturado no setor farmacêutico, estima o Sindusfarma (da indústria de medicamentos). "Se faltam remédios, as doenças crônicas e as agudas podem se agravar, elevando despesas hospitalares", diz Nelson Mussolini, presidente da entidade.
Outro R$ 1,3 bilhão é a conta da Anfavea, associação da indústria automotiva, que na quinta (24) anunciou a paralisação total das fábricas. O cálculo envolve apenas o que deixou de ser arrecadado em tributos e não inclui o faturamento das montadoras.
O setor tem alta dependência do transporte por caminhões para receber peças das linhas de montagem e também para o desembaraço de veículos prontos enviados às concessionárias e à exportação.
Outro mercado dependente dos fretes, o comércio eletrônico calcula uma queda de quase R$ 280 milhões no faturamento da semana passada, segundo números da Ebit, empresa especializada em pesquisas sobre o varejo online.
Só na quinta (24), as empresas aéreas brasileiras perderam R$ 50 milhões, segundo a Abear (que representa as grandes companhias do país). A entidade ainda não mediu o estrago de sexta (25), quando mais de dez aeroportos ficaram sem combustível e as empresas foram obrigadas a cancelar mais de cem voos.
A Latam deixou de cobrar para reagendar passagem nos aeroportos afetados.
"O prejuízo ainda não estimado é a queda do volume de vendas. Começa a despencar. Quem queria viajar não compra", diz Eduardo Sanovicz, presidente da Abear.
Desde quarta, as operações da cadeia do café estão paradas, segundo Nathan Herszkowicz, diretor da associação Abic.
"A carga para exportação não chega ao porto. E as empresas que perderam embarques pagarão multa", diz Herszkowicz, cuja previsão supera R$ 550 milhões em negócios perdidos ou atrasados.
Fábricas de vestuário e têxteis sofrem com a escassez de insumos e funcionários impossibilitados de chegar ao trabalho, segundo sua entidade, a Abit. A estimativa é um baque de R$ 1,2 bilhão no faturamento do setor, excluindo impostos, em cinco dias.
As estimativas dão alguma dimensão dos recursos que deixaram de ser movimentados, mas o real impacto talvez jamais seja medido, de acordo com André Rebelo, assessor de assuntos estratégicos da presidência da Fiesp (federação das indústrias paulistas).
"São diferentes efeitos, fica difícil estimar. Quantas pessoas pagaram menos bilhetes de ônibus em São Paulo? Não sabemos. Alguns empresários pararam uma linha de produção, outros pararam tudo, outros dispensaram pessoal."
Segundo a Eletros (dos fabricantes de eletroeletrônicos), dez fábricas pararam alguma linha de produção.
A Abinee, que representa também a indústria de componentes, não tem o prejuízo definido, mas identificou em pesquisa com associados que 96% tiveram algum impacto.
Para Pedro Moreira, presidente da Abralog, associação de logística que reúne empresas como C&A, Correios e FedEx, existe ainda um custo intangível da "perda potencial". Ele prevê perdas totais superiores a R$ 25 bilhões por causa da semana de protestos.
Neste sábado (26), sexto dia de paralisação, 99% da gasolina havia acabado na cidade de São Paulo.
O ministro Raul Jungmann (Segurança Pública) disse que prisões serão necessárias para punir empresários que estão praticando locaute na paralisação dos caminhoneiros.
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