- O Globo
Durante dias o país sentirá os efeitos da desordem provocada pela paralisação do transporte rodoviário de carga. O movimento que uniu caminhoneiros e transportadoras precisou de pouco tempo para nocautear o país. Ontem não havia gasolina em várias cidades. Permanecem o bloqueio de estradas e o desabastecimento. O que pedem caminhoneiros, patrões, consumidores é controle de preços.
Há uma fórmula simples que resolve esta crise e a raiva da classe média com o preço da gasolina. E ela está errada. Em tempos eleitorais, a solução errada tem sido defendida pelos candidatos. Eles dizem que a Petrobras deve vender todos os seus derivados pelo custo de produção. Parece simples, faria a felicidade dos donos de carros, dos caminhoneiros, das empresas de transporte, das companhias aéreas e reduziria a tarifa de energia. Tem apenas um problema: já foi executada inúmeras vezes e sempre terminou em correção brusca de preços e prejuízo para a empresa estatal.
O professor de economia da PUC-Rio Márcio Garcia disse que essa tem sido a tendência no Brasil:
— Agora, por exemplo, recebi uma mensagem de um amigo dizendo: não vamos abastecer o carro amanhã porque temos que nos bater contra essa política de aumentos. Como se as altas do dólar e do petróleo fossem algo sobre o qual o governo tivesse controle. Ou tivesse obrigação de não deixar passar. A compreensão é a de que o governo tem que intervir e garantir a coisa barata.
O cientista político e professor da UNB Eduardo Viola acha que essa inclinação não é só do Brasil, é de toda a América Latina e explica os grandes ciclos de decadência na região. Sobre um gráfico do PIB per capita da Argentina, em comparação com o dos Estados Unidos, Viola mostrou que as políticas populistas começaram no governo Perón e foram mantidas pelo regime militar:
— Metade da sociedade argentina considera correta a adoção de medidas populistas, o peronismo se divide em três correntes, mas todas elas defendem essas políticas. O eleitorado argentino foi se tornando cada vez mais populista.
O populismo econômico não é de direita, nem de esquerda. No Brasil, quem olha com sinceridade o problema das contas públicas verá o gigantismo do custo dos incentivos e subsídios. Todo setor empresarial quer um subsídio para chamar de seu. E o que se viu na última semana foi isso. Transportadoras, caminhoneiros autônomos e a maioria dos consumidores têm um ponto em comum: querem que o governo lhes garanta preço baixo, independentemente da realidade econômica. Todos os governos, Fernando Henrique, Lula, Dilma e agora Temer, enfrentaram greve do setor de transporte rodoviário de carga e todos eles cederam dando um maior ou menor grau de intervencionismo nos preços.
A greve do governo Fernando Henrique foi no ano da sua maior fragilidade política, em 1999, logo depois da desvalorização cambial. A do governo Dilma foi no meio dos protestos de 2013 contra seu governo. O pior agora é que esse é um governo atingido por denúncias de corrupção e em fim de temporada no Planalto. Mas nosso problema não é este governo cadente, mas sim que tipo de economia a sociedade quer.
Márcio Garcia alerta que a oscilação do dólar vai continuar e vai pegar todos os países mais frágeis.
— O Brasil, se não encaminhar ao menos uma solução para a questão fiscal, será duramente atingido — prevê.
O país, além de não enfrentar o problema fiscal, quer a volta da política de preços de combustíveis baixos. A Argentina de Cristina Kirchner subsidiou tanto o preço da energia que chegou ao ponto de um apartamento de classe média alta em Buenos Aires pagar US$ 2 de conta de luz. Por mais provas que haja na história de que esse caminho é errado, o que se pede nos momentos de crise é que o governo resolva o problema reduzindo os preços.
— Por isso não sou otimista sobre o futuro do Brasil. A mentalidade não muda. Parecia que iria mudar depois do fracasso das políticas de Dilma. Mas não. O discurso dominante é populista — diz Viola.
É mais fácil pedir ao governo um subsídio. Foi isso que empresários do transporte e caminhoneiros exigiram, com maus modos. E ganharam. Será tirado dinheiro do Orçamento para reduzir o preço do diesel.
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