Proposta de reforma da Previdência também afeta programas assistenciais; impacto social deve ser avaliado com cuidado na negociação legislativa
No que talvez seja seu aspecto mais problemático, a proposta de reforma previdenciária apresentada pelo governo Jair Bolsonaro (PSL) endurece regras para programas de características assistenciais.
Tal como foi enviado ao Congresso na quarta-feira (20), o texto atinge o chamado benefício de prestação continuada (BPC), destinado ao amparo dos mais pobres, e o regime de aposentadoria dos trabalhadores rurais, no qual as contribuições dos segurados e seus empregadores é hoje ínfima.
No caso do BPC, a exigência de idade para o recebimento de um salário mínimo mensal (R$ 998) sobe de 65 para 70 anos —abrindo-se a possibilidade de um pagamento de R$ 400 aos 60 anos. Para os segurados do setor agropecuário, torna-se obrigatório comprovar 20 anos de contribuição.
As medidas suscitam preocupação porque afetam parcelas mais vulneráveis da sociedade. O benefício de prestação continuada se destina a idosos com renda familiar per capita inferior a um quarto do piso salarial, enquanto na Previdência rural a aposentadoria média é de R$ 1.330 mensais.
A versão original da reforma encaminhada em 2016 pelo ex-presidente Michel Temer (MDB) também trazia restrições aos dois programas. Diante da reação política e de objeções técnicas à iniciativa, os dispositivos foram retirados do projeto durante a tramitação na Câmara dos Deputados.
As despesas envolvidas, de fato, são consideráveis. Com o BPC, incluindo a modalidade que atende a deficientes, gastaram-se R$ 56,2 bilhões no ano passado, em favor de 4,8 milhões de pessoas.
Também elevado se mostra o custo dos benefícios do setor agropecuário, de R$ 123,7 bilhões para 9,5 milhões de segurados —ou quatro vezes o desembolso do Bolsa Família, para 13,7 milhões.
Os dados evidenciam que há distorções a serem corrigidas no aparato assistencialista oficial, no qual pobres ou miseráveis recebem tratamentos diversos. Deve-se também incentivar trabalhadores remunerados pelo salário mínimo a contribuir para a Previdência —o que se afigura um objetivo das propostas do governo.
Há, no entanto, disparidades bem mais escandalosas na tributação e no gasto público do país, em favor de setores social e politicamente articulados.
Pouco mais de 700 mil servidores civis inativos e pensionistas do governo federal, por exemplo, geraram um déficit previdenciário de R$ 46 bilhões em 2018; no caso dos militares, cerca de 380 mil, a conta foi de quase R$ 44 bilhões.
A reforma elaborada pela equipe de Bolsonaro teve o mérito de prever as regras mais duras para o funcionalismo, que abrange a elite do sistema. Cabe agora avaliar e negociar com cuidado as providências voltadas para a base da pirâmide social brasileira.
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