- Folha de S. Paulo
Forças do acaso são poderosas e imprevisíveis o bastante para permitir até que Bolsonaro e família não estraguem tudo
Uma das forças mais desprezadas pelo nosso psiquismo é o acaso. Experimente dizer a um executivo que o sucesso da empresa que ele comanda se deve à sorte e não a seu talento e perseverança, e você provavelmente será agraciado com uma série de impropérios.
Fora o fato de que talento e perseverança são em parte determinados pela loteria genética, encaixando-se na categoria sorte, análises estatísticas mostram que o acaso é ubíquo e robusto em praticamente todas as atividades humanas. Não é que o comandante não importe —em qualquer cenário, ele conserva enorme capacidade de estragar tudo—, mas há sempre uma enorme gama de fatores que estão fora de seu controle e que são decisivos para o bom ou mau desempenho da companhia.
Faço essas reflexões a propósito do governo Bolsonaro. Desde antes da eleição eu vinha dizendo que o julgava completamente despreparado para o cargo. A forma como agiu no episódio da fritura e demissão do ministro Gustavo Bebianno mostra que eu fora tímido em minha avaliação.
Apesar disso, não dá para cravar que essa administração já era. Mesmo no governo, há muita coisa que não está diretamente sob a influência entrópica do presidente.
Tivemos um exemplo disso nos últimos dias. A equipe econômica apresentou um projeto coerente de reforma da Previdência. Pode-se concordar ou não com ele, mas é algo que para em pé e que, diferentemente do que se passa em outras áreas do governo, veio do reino da razão e não do da fantasia.
Se a turma que busca tutelar Bolsonaro dele mesmo (os militares) tiver sucesso ainda que parcial em contê-lo, não é impossível que as coisas confluam para um arranjo virtuoso, que produza algum crescimento econômico, hipótese em que o governo poderia ser considerado exitoso. É difícil, mas as forças do acaso são poderosas e imprevisíveis o bastante para permitir até que Bolsonaro e família não estraguem tudo.
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