- Época
A reforma pode sofrer desidratação maior que a de Temer, caso em que possivelmente não haveria de gerar economias suficientes para satisfazer os investidores e as necessidades do país.
Dizem que na vida há duas certezas: morreremos e pagaremos impostos. No caso das vidas brasileiras, acrescentaria mais uma certeza: morreremos, pagaremos impostos e assistiremos à desidratação inevitável da reforma da Previdência. Isso, é claro, se a reforma passar no Congresso. Essa certeza não temos, como deixou claro o deputado Elmar Nascimento, líder do DEM na Câmara.
Já contamos cerca de 50 dias de existência do governo Bolsonaro. Nestes 50 dias, presenciamos: as estultices do trio Damares-Ernesto-Ricardo; a ignorância do ministro do Meio Ambiente, que não sabia muito bem quem foi Chico Mendes, além de ter sido indiciado por improbidade administrativa; as alegações sobre os candidatos laranjas que o PSL utilizou para ter acesso ao Fundo Partidário; a ascensão dos filhos do presidente à condição de presidentes auxiliares; o caso Queiroz e os problemas do filho senador com dinheiro e milícias; a contínua negação de que houve uma ditadura militar no Brasil; os ataques incansáveis à imprensa e aos jornalistas; a ameaça do comunismo imaginário; as brigas no Twitter entre um dos filhos de Bolsonaro e o ministro de sua própria sigla, ex-presidente do PSL que acolheu todo o clã familiar; os áudios gravados em WhatsApp da conversa tosca entre Bolsonaro e Gustavo Bebianno em que o presidente da República é continuamente chamado de “capitão”; as mentiras de Bolsonaro sobre as conversas com Bebianno e a traição presidencial para proteger o filhote. É certeza que falta coisa nessa lista, mas, em frente.
Passadas pouco menos de 24 horas da divulgação dos áudios que causaram no mínimo estremecimento entre Bolsonaro e seu partido — portanto, alguns danos à solidez da base governista no Congresso, para não falar da traição de Bolsonaro, que por certo cria desconfiança —, veio a reforma da Previdência. É cedo para avaliá-la, pois a apresentação divulgada pelo governo revela apenas alguns pontos fundamentais. A cifra que saltou aos olhos do mercado, evidentemente, foi a economia de R$ 1 trilhão nos próximos dez anos, o que muito faria para restaurar a sustentabilidade das contas públicas brasileiras.
Simplesmente tomando esse número como referência, a reforma é mais ambiciosa do que o primeiro projeto apresentado por Temer, em que se antevia uma economia de cerca de R$ 800 bilhões. Em conformidade com a terceira certeza da vida brasileira, a reforma de Temer foi reduzida à metade após intenso processo de diluição no Congresso.
Vamos lembrar? Temer, ao contrário de Bolsonaro, era um presidente com amplo conhecimento sobre o funcionamento do Congresso Nacional, alguém que certa vez chamei de “excepcional operador de chão do Congresso”. Ainda assim, sua reforma não foi a lugar algum.
Disse o líder do DEM sobre as perspectivas da reforma de Bolsonaro: “É uma reforma difícil e que exigirá muitos esforços da base. São dois os problemas que vejo neste momento. A desarticulação — ou inexistência — da base aliada é um deles e, em minha opinião, o mais grave”. Concordo com o líder do DEM. Sobretudo após o episódio Bebianno e a sensação de que Bolsonaro é capaz de dar as costas a qualquer aliado sob a influência de um ou mais dos três presidentes auxiliares que hoje governam o país.
Eis, portanto, uma avaliação — sem entrar nos méritos ou deméritos específicos da reforma. A reforma pode sofrer desidratação semelhante à de Temer, caso em que a economia seria de R$ 500 bilhões.
A reforma pode não ser aprovada, ainda que desidratada. Hoje, penso ser o segundo cenário o mais provável. Quiçá mude de opinião nos próximos meses inevitavelmente turbulentos que teremos pela frente. Afinal, as discussões sobre a proposta prometem ser intensas, as desavenças hão de criar ruídos que afetarão os preços dos ativos brasileiros, a imprevisibilidade e a inépcia de Bolsonaro apresentadas nos primeiros 50 dias continuarão a nos atormentar.
Portanto, reconfortemo-nos com as três certezas desta vida. Morte, impostos e reformas diluídas.
*Monica De Bolle é diretora de estudos latino-americanos e mercados emergentes da Johns Hopkins University e pesquisadora sênior do Peterson Institute for International Economics
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