sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

Pedro Doria: O fascismo e o digital

- O Estado de S.Paulo / O Globo

Grandes transições econômicas deixam todos numa grande insegurança

Deixe que uma discussão transcorra por tempo o bastante na internet, diz a Lei de Godwin, e alguém por certo será comparado a um nazista. Mais recentemente, a política do mundo parece ter embarcado nesta – tem muita gente vendo fascistas por todo lado. Há muito de paranoia, nisto. Há também uma intolerância da esquerda com a direita. Por tanto tempo se chamou o centro de direita que quando aquela, a verdadeira, dá suas caras muita gente a recebe com espanto. Mas há também, entre os que veem um mundo assombrado por fascistas, alguma razão.

Esta discussão tem tudo a ver com o ódio nas redes, assim como tem com a reforma da Previdência.

O fascista original é Benito Mussolini, convidado pelo rei italiano a formar gabinete como primeiro-ministro em 1922, e morto pela ira do povo em 45. História é pop e, em geral, o conhecimento que temos de história é aquele dos clipes curtos e uns marcos fundamentais. Fascismo, portanto, é aquele governo totalitário da direita de durante a Segunda Guerra, aquela mesma que fez o Holocausto.

Mas o fascismo original não nasceu totalitário, tampouco surgiu do nada. E, se a afirmação parece polêmica, ela é de Palmiro Togliatti, sucessor de Antonio Gramsci como secretário-geral do Partido Comunista Italiano, que comandou entre 1926 e 1964. O fascismo nasceu como improviso em cima de uma situação atípica.

A Itália imediatamente após a Primeira Guerra vivia uma situação econômica muito complexa. O conflito empobreceu a todos, custou a vida de 7% da população masculina e, não bastasse, a transição de uma economia agrícola para industrial estava a pleno vapor.

Estas grandes transições econômicas deixam a todo mundo numa grande insegurança. Profissões estão desaparecendo. Gente que achou que trabalharia no mesmo ramo de pais e avós, de repente, vê aquela garantia desaparecer. Não há ideia do que será o futuro, sobram insegurança e incerteza. É um cenário tão difícil que o liberalismo não tem respostas imediatas para dar. A democracia liberal é mais frágil quando o mundo está em mudança rápida. Só os radicais têm respostas claras. No biênio imediatamente anterior à repentina ascensão de Mussolini, parecia que os comunistas fariam na Itália sua segunda revolução. Era uma greve após a outra, quase deu. Naquele cenário pós-guerra, com inúmeros veteranos desempregados na rua, Mussolini os reuniu, vestiu-os com camisas pretas, e saiu por ali impondo ordem na base do murro. Morreu muita gente nos embates entre fascistas e sindicalistas.

E é isto que temos em comum com aquele tempo. Cá estamos na transição da economia industrial para a digital. Há muita gente que planejou um futuro e viu sua indústria desmoronar. Vai acontecer com mais pessoas – os sociólogos os vêm chamando de precariado. Como nos anos 1920, a democracia liberal não tem remédios rápidos ou mesmo claros. Não bastasse, mudanças demográficas e indústrias várias em crise fazem com que a previdência em todo o mundo tenha de ser reinventada.

Mas não temos um bando de veteranos de guerra desempregados e treinados para a batalha nas ruas. Tampouco temos sindicalistas que forçam greves para agravar a crise e forçar uma revolução. O fascismo não veio sozinho – com ele veio, também, o comunismo. Radicais e totalitários, ambos. Soluções demagógicas, com promessas fartas de utopias inalcançáveis. Desta feita, não parece que teremos nem um, nem outro. Talvez outras coisas.

Mas isto não muda um fato: nas mudanças econômicas profundas, a democracia liberal entra em crise e demagogos e radicais fazem a festa. O digital virou política, é causa e meio, e com ele não será diferente.

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