- O Estado de S.Paulo
A reforma da Previdência é particularmente urgente e necessária para os Estados
Há que se reconhecer e repetir à exaustão: a reforma da Previdência do novo governo é muito boa. Enfrenta os problemas centrais do atual modelo que, vale também insistir, são a injustiça social e a questão fiscal, propondo-se a corrigir uma das nossas mais absurdas engrenagens de concentração de renda. Juntando-se a ela o projeto de reforma da Previdência dos militares e tem-se, finalmente, uma solução eficaz e justa para o que é hoje o nosso mais urgente problema.
Mal terminado o anúncio, surgiram críticas e reações contrárias daqueles que vêm na proposta uma ameaça aos seus privilégios. Além desses esperados movimentos de resistência corporativista, há outras manifestações que merecem atenção. São todas iniciativas legítimas, bem-vindas dentro de um processo democrático, mas que precisam ser entendidas em profundidade para evitar que, mais uma vez, se perca o foco e a oportunidade real de solução.
A reforma é imprescindível para o Brasil, mas é particularmente urgente e necessária para os Estados. Juntar reforma da Previdência com socorro a entes falidos, como se esses dois temas já não estivessem naturalmente grudados, é negar o óbvio. A aplicação automática da reforma da Previdência a Estados e municípios é o melhor que se pode fazer para socorrer os entes já em dificuldade – e evitar que outros entrem nesse conjunto. Além dela, a única ajuda adicional possível e plausível é o apoio ao ajuste das contas via corte das despesas com pessoal ativo. Qualquer outro tema que se coloque na mesma mesa é toma lá dá cá e significa adiar o problema atual para governantes e gerações futuras.
O governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel coordenará hoje uma reunião para discutir o projeto de reforma da Previdência com gestores de previdências estaduais e secretários dos Estados. O que sairá dali? O apoio ao projeto apresentado ou alguma proposta criativa que poderá embaçar a necessidade de uma reforma estrutural? A ideia mais popular tem sido a de capitalizar as previdências por meio de fundos privados, engordados com receitas futuras que, sabemos, irão faltar lá na frente para financiar saúde, educação e segurança.
Mas é providencial que seja no Rio essa reunião. Afinal, é lá que a população e os servidores padecem por conta de gestões que acreditaram, dentre outras coisas, que receita extraordinária pode se transformar em despesa obrigatória e corrente. Foi também o Rio, único Estado que entrou no Regime de Recuperação Fiscal (RFF), que teve alguns dos necessários ajustes solapados pela Assembleia Legislativa local, inclusive insistindo na concessão de aumentos salariais, mesmo diante dos atuais atrasos nos pagamentos. É esse mesmo Rio que hoje festeja o aumento no preço do barril de petróleo, pleiteia mais perdão de dívida, mas atrasa ações de corte de despesas previstas no plano de recuperação, essas sim fundamentais para o reequilíbrio fiscal do Estado.
Sugiro que os gestores públicos que lá estarão caminhem pela cidade. Mas que não se fixem na beleza do Rio iluminado no verão. Vejam as filas nos hospitais, onde pessoas morrem sem atendimento. Visitem as favelas dominadas pelo tráfico, com esgoto a céu aberto, e condições insalubres de moradia. Analisem os números do Ideb do Rio, que condenam milhares de crianças e jovens à falta de oportunidades; os índices de violência que matam policiais e jovens, a maioria pobres e negros todos os dias. A situação de hoje é, em grande parte, consequência de termos, sistematicamente, hipotecando nosso futuro acreditando que haveria alguém lá na frente que resolveria o problema. Não há. Só o que conquistamos foi uma conta maior para a sociedade pagar.
Que nossos congressistas e gestores públicos resistam à desinformação, ao corporativismo e às propostas criativas. Que fujam das pressões e abracem a grande oportunidade que temos de finalmente colocar o Brasil nos trilhos.
Em 1969, o cantor Agnaldo Rayol foi o protagonista do filme Agnaldo, perigo à vista. O filme se resume a uma grande perseguição, com Agnaldo fugindo e resistindo às chantagens e ameaças daqueles que queriam extorqui-lo e forçá-lo a se casar. Perigo à vista, querem nos pegar! Perigo à vista, vamos resistir!
*Economista e sócia da Consultoria Oliver Wyman
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