- Folha de S. Paulo
Quando está no poder, esquerda reconhece problema fiscal. Na oposição, joga fumaça no debate
Parece mais uma vez que a esquerda vai adotar uma atitude irresponsável em relação à reforma da Previdência. Quando ocupa o poder, reconhece a gravidade do problema fiscal, mas, na oposição, faz questão de jogar fumaça no debate, deixando que a desinformação corra solta nos meios sobre os quais tem influência.
O público de esquerda fica assim oscilando entre a desinformação e uma revolta mal orientada e não consegue concentrar seus esforços na missão política de exigir que o esforço fiscal se concentre sobre os mais ricos e poupe os mais pobres.
Um discurso muito disseminado na esquerda enfatiza, por exemplo, que não há deficit na Previdência se forem consideradas todas as receitas da seguridade social, como determina a Constituição. O argumento não reconhece, porém, que essas mesmas receitas são utilizadas por um conjunto amplo de políticas públicas, num jogo de soma zero, de maneira que quanto mais a Previdência as consome, menos se tem para a saúde e a assistência social.
O argumento é às vezes complementado por outro, de que é a dívida pública a principal causa da crise fiscal e que os juros altos que a alimentam são deliberadamente inflados, como um instrumento de apropriação da riqueza nacional por uma elite rentista.
Uma contabilidade que é ridicularizada pelo debate profissional e que grosseiramente infla a parcela do orçamento consumida pela dívida pública é amplamente disseminada e adotada como verdade objetiva e a controversa tese de que os níveis de juros são mantidos em patamares elevados por uma decisão coordenada dos grupos rentistas é tratada como fato auto-evidente.
Amparados em argumentos que sensatamente ignora quando está no poder, lideranças alienam o público de esquerda do debate fundamental sobre como distribuir o ônus da crise fiscal entre as classes sociais. Além disso, coloca esse público como aliado involuntário de alguns dos setores mais ricos do funcionalismo que estão dedicados em derrubar a contribuição crescente por faixas de renda que é o instrumento que traria alguma progressividade ao sistema.
Enquanto o público de esquerda se distrai com fantasmas, não consegue concentrar esforços na missão de barrar as propostas que mais afetam a classe trabalhadora como a ampliação da idade para acessar o benefício que atende aos idosos de baixa renda, a redução do valor da aposentadoria por invalidez e a exigência de 20 anos de contribuição como patamar mínimo para receber uma aposentadoria reduzida, condenando a maior parte dos trabalhadores a receber 60% do valor sobre o qual contribuíram.
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