terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

Luiz Carlos Azedo: A cabeça de Maduro

- Correio Braziliense

“A crise venezuelana estava se transformando no epicentro da disputa dos Estados Unidos com a Rússia e a China, muito distante das fronteiras quentes em que ocorre desde a guerra fria”

A queda do presidente da Venezuela, Nícolas Maduro, é uma espécie de troféu para a nova política externa do governo Jair Bolsonaro. Traduziria no plano internacional a ruptura política que sua eleição representou. Ocorre que a política externa brasileira, desde o barão do Rio Branco, é uma política de Estado. Quando tudo parecia que a disjuntiva entre uma coisa e outra era um fato consumado, a realidade começou a se impor com toda a força à nossa diplomacia. O Brasil meteu a colher na política interna da Venezuela como nunca antes, pero no mucho. Os militares cuidaram de jogar um balde de água fria na estratégia de confronto com Maduro.

Há razões para isso. O Brasil não está preparado para uma guerra de verdade e não tem uma cultura militar intervencionista. Uma coisa é mobilizar as Forças Armadas e a população para se defender de uma agressão. Outra coisa, muito diferente, é participar de uma intervenção militar ou mesmo apoiá-la num país vizinho. A paz nas nossas fronteiras da Amazônia foi uma conquista diplomática, não foi um estatuto estabelecido militarmente, com exceção do Acre. Os militares sabem muito bem disso, assim como o Itamaraty, mas parece que foi preciso o vice-presidente Hamilton Mourão, que foi adido militar brasileiro na Venezuela, explicar aos parceiros da nova diplomacia do chanceler Ernesto Araújo que nosso alinhamento aos Esta- dos Unidos tem um limite.

Ontem, durante o encontro do Grupo de Lima, em Bogotá (Colômbia), Mourão afirmou que o governo brasileiro defende uma solução “sem qualquer medida extrema”. O Grupo de Lima foi criado em 2017, por iniciativa do governo peruano, com o objetivo de pressionar Maduro a restabelecer a democracia na Venezuela. Além de Brasil e Peru, Argentina, Canadá, Colômbia, Costa Rica, Chile, Guatemala, Guiana, Honduras, México, Panamá e Paraguai integram o grupo: “O Brasil acredita firmemente que é possível devolver a Venezuela ao convívio democrático das Américas sem qualquer medida extrema que nos confunda com aquelas nações que serão julgadas pela história como agressoras, invasoras e violadoras das soberanias nacionais”, disse Mourão.

Em termos geopolíticos, para ser bem claro, a crise venezuelana estava se transformando no epicentro de uma disputa dos Estados Unidos com a Rússia e a China, muito distante das fronteiras quentes em que historicamente ela ocorre desde a guerra fria. Há muito petróleo em jogo, como no Oriente Médio, e também uma espécie de simetria com os casos da Ucrânia e da Síria, onde a Rússia teve seus interesses estratégicos ameaçados pelos Estados Unidos. A guerra comercial com a China põe mais lenha na fogueira. Para os adversários de Trump, a crise venezuelana é uma espécie de feitiço contra o feiticeiro.

Intervenção
Os militares brasileiros não estão nessa, não vão riscar um palito de fósforo perto de um barril de pólvora. Pode ser que Maduro caia mais rapidamente do que se imagina, mas o fato é que ele tem todas as condições de se manter no poder por mais tempo com o apoio das Forças Armadas venezuelanas e a ajuda da Rússia e da China, a não ser que haja uma intervenção militar norte- americana que arrase suas instalações e tropas militares.

Qual seria a repercussão disso nos demais países do continente? Seria a volta da política de “Big Stick” do presidente Theodore Roosevelt, como corolário da Doutrina Monroe, segundo a qual os Estados Unidos deveriam exercer a sua política externa como forma de deter as intervenções europeias.

Por ironia, o canal do Panamá, construído para consolidar a hegemonia norte-americana, hoje serve aos interesses comerciais chineses, que ainda pretendem construir na Nicarágua um canal três vezes maior, com 80km, ao custo de US$ 40 bilhões (cerca de R$ 85 bilhões), aproximadamente quatro vezes o PIB nicaraguense. A escalada intervencionista protagonizada pelos Estados Unidos, a partir da ajuda humanitária articulada pelo “presidente interino” Juan Guaidó, que atravessou a fronteira para a Colômbia com objetivo de liderar a entrada de caminhões com alimentos e kits de primeiros socorros, é uma jogada de alto risco. Se foi um erro ou não, só saberemos quando tentar voltar, mas o fato é que a maioria dos generais está com Maduro.

O caminho para superação do problema não é a intervenção militar. É a negociação política no plano internacional e no plano interno, com a convocação de novas eleições e uma anistia geral. O comprometimento com a corrupção e o tráfico de drogas por parte dos líderes militares da Venezuela são um complicador para qualquer acordo que não lhes garanta a uma certa impunidade. É aí que está o grande entrave à saída de Maduro, por mais que sua cabeça tenha sido posta a prêmio

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