Fórum demonstra ter consciência de que ela conspira contra a estabilidade econômica e política
Não deve causar estranheza que no recente Fórum Econômico Mundial de Davos, na Suíça, onde a cada ano se reúnem políticos poderosos e empresários bilionários, um dos temas tenha sido a crescente desigualdade de renda e patrimônio no mundo. A razão está na consciência de que esta desigualdade é um motor potente que impulsiona perigosa onda nacional-populista no planeta, que semeia pobreza e violência. Numa reação ao empobrecimento relativo, a parte mais frágil de sociedades afluentes se torna vítima fácil de discursos populistas, rancorosos, contrários a outras etnias, à abertura ao exterior, ao novo. Crescem o reacionarismo, a xenofobia e forças políticas favoráveis ao fechamento ao mundo. Trata-se de um sério retrocesso na globalização, cuja aceleração se deve muito à revolução digital, que ajudou o mundo a passar por um ciclo brilhante de crescimento sincronizado no final do século XX/início do XXI.
Foi assim que o Brasil pagou a dívida externa com divisas das exportações de matérias-primas à China. Foi desta forma que este país puxou um crescimento tal no mundo, e na Ásia em especial, que tirou da pobreza centenas de milhões de chineses, indianos, vietnamitas etc. Um fato histórico que passou a correr riscos a partir da reação de forças nacionalistas, de pedigree racista, que se opõem à diversidade — de opiniões, de etnias, de comportamentos. O novo ameaça.
No fórum suíço, divulgaram-se indicadores desta concentração de riquezas nos últimos anos, enquanto crescia a aplicação de novas tecnologias, a “Revolução 4.0”: em 40 anos, a diferença entre a remuneração de um executivo e de um trabalhador médio aumentou 970%. A proporção passou de 30 para um em 1978 para 321 para um. Enquanto os 10% mais ricos ganham o equivalente a US$ 104 milhões por hora, o conjunto dos 3,8 bilhões mais pobres perde US$ 20 milhões por hora, de acordo com a ONG Oxfam.
Não é desconhecido que na fase de importantes mudanças tecnológicas costuma haver deterioração na distribuição de renda. É inevitável que aqueles ligados às novas tecnologias multipliquem a riqueza, enquanto segmentos da população à margem das mudanças tendem a ficar estagnados ou a retrocederem em termos de renda e de poder. Este é o momento da necessidade da clarividência do político. Quando o Fórum de Davos destaca este tema, demonstra ter consciência de que a perpetuação de extremas desigualdades conspira contra a estabilidade econômica e política. Presente ao encontro, a secretária-executiva da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal), da ONU, Alicia Bárcena Ibarra, resumiu bem: “Igualdade, produtividade e democracia vêm juntas”. As economias, disse, são ineficientes sem a igualdade que incentiva a educação e a saúde, para transformá-las em produtividade. Fecha-se o círculo.
O desafio é enfrentar a questão da desigualdade sem populismos que levam a supostas soluções que atravancam a própria busca por um sistema econômico eficiente, capaz de gerar empregos mais bem remunerados. Atacar o problema sem fechar fronteiras — como deseja o Brexit — integrando, ao contrário, sistemas produtivos —e colocando o Estado para facilitar o acesso da massa da população à educação e à saúde de qualidade, em vez de trabalhar em favor de castas da sociedade, é meta vital a ser atingida. Davos demonstra entender isso.
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