domingo, 3 de fevereiro de 2019

O Supremo e a política: Editorial | O Estado de S. Paulo

Ao abrir o ano do Judiciário, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, afirmou que "a sujeição incondicional dos juízes à Constituição e às leis" é o que "legitima o Poder Judiciário a ocupar a posição estratégica de moderadora dos conflitos entre as pessoas, os Poderes e os entes da Federação". Esse é, de fato, o papel do Judiciário, mas há quem interprete essa condição como a de um Poder acima dos demais. Na cerimônia, como a ilustrar essa visão, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Cláudio Lamachia, disse que o Judiciário se tornou "Poder moderador", em razão do "desgaste do poder político", e que esse papel o Supremo "não pôde recusar". Ora, um poder moderador é, por definição, irresponsável e, sendo assim, incompatível com o Estado Democrático de Direito.

Embora Toffoli tenha corretamente qualificado a missão do STF, é notório que alguns de seus colegas pensam que integram um "Poder moderador", acima dos demais Poderes. Nesse papel, julgam que a Corte está livre de controle por outros Poderes, que é irresponsável, acima e além da lei e alheia a qualquer cobrança. Há quem ache que, sendo irresponsável, o STF pode ir além de seu papel natural de intérprete das leis, podendo elaborar leis, mesmo que seus membros não tenham recebido um único voto dos cidadãos e, portanto, não tenham mandato para isso.

Ao assumirem-se como parte de um "Poder moderador", esses magistrados julgam fazer parte de uma instituição dispensada de responder por seus atos, e não raro se abespinham quando surgem reparos a seu trabalho. Em seu discurso, o ministro Dias Toffoli afirmou que "afrontar, agredir e agravar o Judiciário e seus juízes é atacar a democracia" e "incentivar o conflito social", além de "aniquilar a segurança jurídica". De fato, mas há críticas e críticas. Quando se recorda a criminosa campanha contra o Judiciário promovida pelo PT, tem-se uma evidente agressão à democracia. Contudo, os arreganhos lulopetistas não podem ser confundidos com legítimas críticas da sociedade a esdrúxulas decisões do Supremo, adotadas indevida e ilegitimamente por juízes que se arrogam poderes que não lhes foram conferidos pela Carta e, muito menos, por direito divino.

Como consequência dessa característica singular, que acabaria isentando o Judiciário dos freios e contrapesos aos quais são submetidos os demais Poderes, o Supremo assumiu um papel essencialmente político nos últimos anos, chegando ao cúmulo de legislar – atribuição que deveria ser exclusiva do Legislativo, eleito para isso. Embora Toffoli tenha dito que "não há lugar para ideologias, paixões ou vontades" no Judiciário, o País tem testemunhado com preocupante frequência a prevalência de decisões judiciais movidas por indisfarçável ativismo político, muitas vezes ao arrepio da própria Constituição.

Não há razão para acreditar que, neste ano judiciário, tal cenário será muito diferente. Talvez por isso mesmo o vice-presidente Hamilton Mourão, representando o Executivo na cerimônia, tenha declarado que o governo já espera a judicialização das reformas, "sendo certo que chegarão a esta Casa". Por esse motivo, Mourão se disse confiante que o Supremo, "com saber e sensibilidade", adotará "as decisões de que nosso país precisa".

Mais do que nunca será preciso que o Supremo atue como órgão colegiado que deve ser por definição constitucional, e não por decisões individuais, como se cada ministro fosse um Tribunal em si mesmo, diferente dos demais. O apelo feito por Toffoli para que haja "segurança jurídica, previsibilidade e coerência" naquela Corte tem razão de ser.

Afinal, o que mais se observa ali nos últimos tempos são decisões monocráticas que atendem a este ou àquele interesse de ocasião – como foi o caso da espantosa liminar concedida pelo ministro Luiz Fux para interromper inquérito do Ministério Público que envolve o agora senador Flávio Bolsonaro, protegendo o filho do presidente Jair Bolsonaro com foro privilegiado ao qual ele ainda não fazia jus. A liminar afinal foi cassada pelo ministro Marco Aurélio Mello, mas tudo indica que este será apenas o primeiro dos muitos imbróglios que o Supremo será chamado a protagonizar neste ano, razão pela qual se espera que seus ministros tenham plena consciência de qual é seu verdadeiro papel.

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