- Folha de S. Paulo
Gasto per capita em saúde pública cresceu 91% de 2003 a 2017, mas a crise chegou
Quando gente mais rica ou remediada fala do SUS (Sistema Único de Saúde)? Quando um presidente é internado em um grande hospital privado de São Paulo, por exemplo. Então vem a pergunta mesquinha: “Por que não foi para o SUS?”. Vale para Jair Bolsonaro ou Lula da Silva, a depender do ódio político do freguês.
Mas o SUS deve ser a prioridade do presidente na opinião de 40% dos eleitores, segundo pesquisas Datafolha de 2018 (e para 49% dos que ganham até dois salários mínimos). Cerca de 25% dos brasileiros têm acesso à saúde privada, aqueles com renda e empregos melhores. O SUS não é lá assunto para a elite da opinião pública. Precisamos falar sobre o SUS.
Qual o estado do financiamento da saúde pública? Houve desmonte sob Michel Temer? Progrediu, neste século?
A despesa dos governos federal, estaduais e municipais com saúde pública cresceu sem parar entre 2003 e 2014. Caiu então um tanto e se recuperou em 2017. O gasto por brasileiro, per capita, também cresceu nesses anos: 91%.
Essas contas foram baseadas em dados do estudo “Consolidação do Gasto com Ações e Serviços Públicos de Saúde”, dos pesquisadores Sergio Piola, Rodrigo de Sá e Benevides e Fabiola Vieira, do Ipea (Texto para Discussão 2.439, de dezembro de 2018).
O crescimento da despesa não foi pequeno, embora nada comparável ao dos gastos previdenciários federais, que foram de 9,2% do PIB para 11,2% do PIB entre 2007 e 2017. Nesses anos, o gasto federal em saúde passou de 1,6% do PIB para 1,7% do PIB —note a brutal disparidade entre Previdência e saúde.
Se o dinheiro foi suficiente ou se é gasto de modo eficaz, são outros quinhentos.
Para os autores do estudo do Ipea, a estagnação do gasto em saúde é problema sério. A população envelhece, se disseminam doenças crônicas, ainda há desigualdade regional no acesso a serviços e os preços da saúde sobem mais do que a média da inflação. Seria necessário mais dinheiro.
Isto posto, não houve “desmonte” na saúde sob Temer. Em 2017, a despesa federal per capita foi, de fato, 0,6% menor que em 2014 (ano final de Dilma 1). Mas a recessão talhou a receita de impostos e, de resto, o gasto per capita em 2017 ainda era 11,9% maior do que no final de Lula 2 (2010). Em estados e municípios, a despesa caiu mais.
Não é defesa de Temer. É um exemplo de exageros ou alucinações na discussão pública. A universalização da saúde pública (1988) e a vinculação mais efetiva de despesa (2000-2001) foram resultado de longo debate entre pesquisadores, servidores, militantes sociais e parlamentares. O gasto em saúde pública entre 2001 e 2016 foi vinculado à receita de impostos e, em parte, ao crescimento do PIB, grosso modo. No geral, é mais uma política de Estado do que de governo.
Ainda assim, governos podem redirecionar políticas de longo prazo ou avacalhar sua execução.
A despesa federal com saúde deixou de ser vinculada à receita de impostos. Desde 2018, há apenas um piso de gastos, que será reajustado pela inflação. Para elevar a despesa na saúde, será preciso tirar dinheiro de outra área, dado o teto geral de gastos criado sob Temer, em 2016.
O que vai fazer Bolsonaro a respeito do problema prioritário para a população, ainda mais em tempos de estados e municípios sem dinheiro, de mais gente sem saúde privada, afora problemas de longo prazo? Seus economistas querem acabar com o piso de gastos sociais. Dá certo?
A gente não está nem aí.
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