- O Globo
Não reconhecer a relevância da área de pesquisa, desenvolvimento e inovação em toda a sua abrangência é condenar o país a permanecer à margem do futuro
O mundo atravessa um período de transformações importantes nos padrões de produção, concorrência e consumo, incluindo estilos de vida. Os vetores dessa transformação atuam, pelo lado da demanda, por conta do envelhecimento da população, do aumento de renda e das restrições ambientais. E pelo lado da oferta, por meio de novos atores globalizados e dos avanços da ciência e da tecnologia.
É fundamental que se atente para as mudanças culturais e de comportamento, uma vez que a tecnologia, sozinha, não garantirá o desenvolvimento sustentável. Portanto, ao contrário do que vem sendo defendido equivocadamente por alguns, o conhecimento da área de Ciências Humanas é essencial. A evolução da tecnologia digital ocorre com enorme rapidez: novos produtos, plataformas e serviços são inseridos de maneira acelerada no cotidiano das pessoas. No entanto, essas tecnologias, a exemplo de redes inteligentes, internet das coisas, sensoriamento remoto, “Big Data”, inteligência artificial, afetam e são afetadas pelo comportamento humano. E é exatamente nesse momento que o conhecimento humano não encontra substituto, pois automação e algoritmos não dão conta de compreendê-lo adequadamente, sendo essa área, portanto, uma nova fronteira a ser investigada. Como muito bem apontado por Daniel Kahneman, prêmio Nobel de economia, a Economia Comportamental passa a ser importante no desenvolvimento de novas tecnologias e plano de negócios das organizações.
Novos produtos, processos e práticas normalmente não surgem de forma abrupta, mas sim após novas concepções, avanços científicos e esforço coletivo interdisciplinar. Um país que tem a intenção de se desenvolver necessita proporcionar este ambiente criativo e diverso, uma vez que a inovação não requer apenas cientistas aplicados e fechados em seus laboratórios. Uma dose de “balbúrdia” estimula criatividade, novas ideias e soluções. A diversidade do conhecimento fortalece e proporciona alternativas mais resilientes e flexíveis aos desafios atuais.
Diante deste cenário, faz todo o sentido promover uma maior conexão entre as diferentes áreas de conhecimento. Por conta da necessidade de habilidades variadas, as universidades têm papel fundamental, pois não só reúnem as diferentes competências necessárias para construir um novo caminho alinhado com as aspirações de um desenvolvimento sustentável, como também estimulam a capacidade de questionar e analisar criticamente as opções a serem trilhadas. As universidades são espaços abertos ao novo, que nos permitem, inclusive, encontrar caminhos que ainda nem haviam sido cogitados.
Não há dúvida de que um país com sólida base científica tem maior chance de prosperar, resultando em benefícios para a sociedade. As visões de curto prazo e emergenciais fazem com que se permaneça estagnado, uma vez que o conhecimento científico é um processo contínuo e cumulativo, que para ser eficiente e eficaz necessita ser incorporado a uma agenda de Estado.
Os avanços científicos e do conhecimento possibilitam geração de riqueza, de empregos, de mais tempo disponível para lazer, estudo, socialização, em resumo, melhor qualidade de vida. É provável que o século XXI seja visto, no futuro, como o período no qual o mundo se conectou e, com isso, mudou a economia e hábitos de consumo, possibilitando um crescimento econômico mais inteligente e limpo, com grande participação da sociedade. Para acompanhar esta tendência, há que se valorizar o investimento no desenvolvimento científico.
Negligenciar a importância do avanço científico e tecnológico é comprometer o futuro. Implica reduzir as chances de encontrar alternativas para superar os crescentes e complexos desafios sociais, econômicos, ambientais. E assim nos aproximar da possibilidade de viver em um mundo mais justo e menos desigual.
Somente o conhecimento é capaz de ser o protagonista da inclusão do Brasil em uma rota de desenvolvimento sustentável, na qual as questões econômicas, sociais e ambientais estarão devidamente equacionadas. Fomentar uma transformação para o progresso do país requer um esforço coletivo, envolvendo múltiplas capacidades e áreas de conhecimento. Não reconhecer a relevância da área de pesquisa, desenvolvimento e inovação em toda a sua abrangência é condenar o país a permanecer à margem do futuro.
*Suzana Kahn é professora da Coppe/UFRJ e presidente do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas
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